Quero pedir a Deus que me livre do costume. O costume é tão fatalmente perigoso. Sabe, parece que a gente tem isso aqui dentro. A gente vai se acostumando com o que é extraordinariamente bom e com o que é extraordinariamente ruim também e quando vê está cego para as coisas da vida.

Deus, não permita que eu me acostume com a pessoa amada, pois quero o deslumbre de vê-la sempre bonita e me arrepiar com o cheiro dela como no primeiro dia. Quando aquele mundo totalmente novo envolveu o meu com a beleza do que é inédito.

Deus me livre de me acostumar com as qualidades e não vê-las mais. De me acostumar com as boas surpresas da vida e de dizer “ah, é isso aí?”. Deus me livre de me acostumar com as pessoas e lugares e daí pensar que eu já conheço um pouco de tudo.

Deus, não deixe que eu me acostume com a luz suave da manhã e deixe de ver assim as estrelas do dia. Isso seria triste e doloroso.

Deus, me livre do costume para que eu possa tocar a vida como um estrangeiro que chega em uma terra diferente. Que olha os costumes como se fossem estranhos maneirismos de outros mundos.

Deus, não deixe que eu me acostume com as risadas espontâneas e com as lágrimas veladas. Não permita, Deus, que eu me acostume com o que é muito bom e com o que é muito ruim. Com o que alegra e com o que entristece.

Esse costume é louco, não só o que é maravilhoso parece desaparecer quando nos acostumamos, o que machuca na repetição do hábito pode se perpetuar também.

Não permita, Deus, que eu me acostume com palavras ríspidas a ponto de achá-las normal. Não permita que eu me contente com aquilo que não me transborda. Deus, não deixe que eu me acostume e me aprisione por esse estado de dormência que rouba silencioso a verdade da vida.

Deus, quase ninguém enxerga o quão danoso é o costume. Ele apaga o cheiro de pão do forno depois das primeiras tragadas. Ele apaga o calor do abraço amigo que se repete. Ele apaga as marcas das feridas e faz corriqueiros os percalços da vida.

O costume rouba cores, desbota sonhos. Não enxerga as pontas de cabelo que foram cortadas. A cor do batom que mudou. O costume apaga os lábios dos apaixonados. Ele faz a gente esquecer do que não pode.

Esse costume tolo amortece os nossos sentidos e nos torna amorfos e incapazes de sentir, de se encantar e de se indignar!

Deus, por favor me livre do costume que rouba o encanto e impede que a gente saia de onde não deveria estar. Deus me livre de não ver o que meus olhos tocam. Deus me livre de desistir de encontrar na vida as coisas maravilhosas que ela me guarda. Deus me livre de não enxergar a hora de ir e a hora de ficar.

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Atribuição da imagem: pexels.com – CC0 Public Domain.

Vanelli Doratioto

Vanelli Doratioto é especialista em Neurociências e Comportamento. Escritora paulista, amante de museus, livros e pinturas que se deixa encantar facilmente pelo que há de mais genuíno nas pessoas. Ela acredita que palavras são mágicas, que através delas pode trazer pessoas, conceitos e lugares para bem pertinho do coração.

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