Rândyna da Cunha

Vire a folha… Ainda haverá todo um lado em branco.

Eu sinto falta de quando a vida era uma folha em branco, agora a vida é uma folha cheia de rabiscos, garranchos e marcas de borracha.

A vida já foi para mim uma bela e lisa folha em branco, cheia de possibilidades e aspirações. Era uma tela aguardando as primeiras pinceladas.

Como é maravilhoso não ter nada escrito e poder imaginar tudo que está por vir; a beleza de saber que cada escolha tem um futuro reservado; a consciência tranquila pelas escolhas não feitas.
Que saudades de todas as possibilidades que a folha em branco me dava…

Agora a vida está pela metade escrita ali, forçosamente rabiscada, muitas vezes às pressas; em raras vezes com esmero. Uma sensação de desleixo me toma todas as vezes em que olho para a folha: as velhas manchas me incomodam; os rabiscos ininteligíveis são confusos; os amassados demonstram certa violência.

Olho para a folha e penso nos anos vividos e naqueles desperdiçados. Sinto medo. A folha ainda tem todo um lado em branco, onde eu posso escolher o que escrever, ou, simplesmente, deixar as palavras surgirem verborrágicas.

Olho para tudo e penso na borracha, principalmente aquela que apaga caneta. Queria ter borracha para apagar da vida os garranchos mal feitos. Mas a borracha não pode apagar o que foi escrito na folha da vida: tudo é definido ali.
Noto que os garranchos estão ligados aos momentos mais tristes que vivi, quando eu não tinha equilíbrio para escrever, mas mesmo assim precisava escrever. Os momentos bons foram escritos com bela caligrafia e muito esmero.

Em alguns pontos é impossível compreender os rabiscos, acho que foram as crises de desespero. E do outro lado toda uma folha em branco… Penso em como eu pretendo preencher este lado e gostaria que fosse tudo bem bonito e desenhado, com florzinhas e perfume, mas eu sei que a vida tem muitas reviravoltas e nada é garantido.

Talvez seja um pouco triste ver as condições da folha, mas talvez seja exatamente tudo que está na folha que me fez ser quem sou. Foi o que construí. Provavelmente, ali tenho mais erros que acertos, mas eu ainda tenho todo um outro lado em branco.

E este lado em branco me deixa livre para usá-lo como eu quiser. Ver o lado rabiscado me faz bem, me mostra o que não preciso reescrever e o que preciso detalhar mais. Agora o lado em branco é que me importa. Ele e suas infinitas possibilidades… Mais uma vez eu tenho a oportunidade de começar a trabalhar em um folha em branco, ainda que haja a sombra do que foi escrito do outro lado, este novo lado é novo.

Escreva na sua folha da vida, sem medo, sem censura e sem restrições. Apenas escreva… E quando acabar, vire a folha, ainda haverá todo um lado em branco.

Imagem de capa: Silatip, Shutterstock

Rândyna da Cunha

Rândyna da Cunha nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1983. Graduada em Letras e Direito, trabalha como empregada pública e professora. Tem contos publicados em diversas revistas literárias brasileiras, como Philos, Avessa e Subversa. Foi selecionada no IX Concurso Literário de Presidente Prudente. Participou da antologia Folclore Nacional: Contos Regionalistas da Editora Illuminare e das coletâneas literárias Vendetta e Tratado Oculto do Horror, da Andross Editora- http://lattes.cnpq.br/7664662820933367

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