Anieli Talon

Quem jamais se apaixonou, nunca viveu um estado de demência.

Posso afirmar hoje que estive demente.

Minha demência tomou conta da minha vida por pouco mais de um ano – Ela me cegou, tomou meu juízo, me fez insegura, compulsiva, dependente desta doença, péssima em tomar decisões, estressada e até mesmo obsessiva. Não nessa mesma ordem, nem tudo junto, mas analisando os fatos, eu tive sim estes sintomas.

Hoje sinto que estou curada. E se você acha que estou louca, posso dizer seguramente que você também já esteve demente, pelo menos uma vez na vida. Quem jamais se apaixonou, nunca viveu um estado de demência.

Paixão tem mesmo esse efeito químico no cérebro das pessoas. Ela tira do prumo, do juízo correto, da razão, das próprias opiniões e altera o estado mental colocando qualquer ser em estado de demência temporária.

Isso tudo porque, como somos seres biológicos, uma reação química acontece em nossos cérebros motivado pelo outro ser humano, e que age diretamente em nosso córtex pré-frontal, inibindo principalmente nossa tomada de decisões.

Um dia li que mulheres são o ponto fraco dos homens, pois quando apaixonados, tornam-se improdutivos e ruins de decisões. Mas como tal confusão parte de uma razão química, nós mulheres também nos sentimos bastante vulneráveis diante de uma paixão. Alguém se isenta disso?.

Claro que além disso, há um fator positivo,( se é que isso possa ser), que toda paixão torna uma pessoa hiper motivada. Um ser apaixonado tem disposição para tudo!

Já ouvi aquele frase que não falta tempo, o que falta é interesse, e para um apaixonado “interesse” é palavra de ordem e ação.

Já ouvi histórias de pessoas que cruzaram oceanos, viajaram horas de estrada, fizeram loucuras emocionais e financeiras por uma paixão. Nenhum tempo ao lado do ser amado é o suficiente. E isso fica claro que é uma reação da compulsão. Pura demência! ou não?

Acontece que essa droga química tem efeito a longo prazo e num momento essa onda “lisérgica” dá uma baixada – para alegria de uns e saudosismo de outros.

Numa análise mais profunda, a paixão promove uma enxurrada de hormônios nos nossos neurotransmissores, elevando os níveis de oxitocina e cortisol – associados ao prazer, conexões sociais mas também à ansiedade e ao nervosismo.

Após o período de demência, o estado latente de todo casal é da transformação daquela chama escandescente, louca e insaciável num ideal de relacionamento de amor companheiro, que será construído por meio da interdependência e de fortes laços do casal.

Casais que passam desta primeira fase tem a possibilidade de construir juntos, com muita energia e entrega, uma relação de amor, que vai depender muito da valorização, esforço e consistência.

Como uma fogueira, será necessário esforço mútuo do casal para alimentar o fogo, parceria para se buscar a lenha, entendimento para mexer na brasa para que a chama permaneça acesa. Isso requer esforço de ambos para que seja possível ser construído algo mais sólido e duradouro.

É cientificamente comprovado que casais que vivem relações felizes a longo prazo vivem mais e com mais saúde do que os apaixonados ou solteiros.

Uma implicação negativa para os laços fortes e relações robustas são as coisas que podem perturbar este casal, que resultam sempre em dolorosos traumas diante de decepções amorosas.

E para se viver bem e feliz, é preciso esperar passar o estado de demência. Para casar com alguém é importante estar lúcido. Esperar e viver a fase poética da relação para só depois, quando ela se tornar mais prosa, ser possível pensar em casamento.

As taxas de divórcio a cada ano comprovam que as pessoas estão casando mesmo dementes.

Muitas pessoas ainda preferem e se viciam em engates de paixões a construir algo mais sólido com o parceiro.
Há também quem prefira a demência eterna.
“Amores líquidos” como diria Baumann.

Curada da paixão, hoje estou preferindo o encantamento. Sempre uma grata surpresa o encontro de boas pessoas no meu caminho sem que eu me perca. Uma experiência de presença e conforto, de desfrute e de permissão, para elas irem e virem e eu estar na minha paz interior. Girei uma chave, quem sabe tenha trazido um bom entendimento nesse estado pós demência.

Mas quem segue a vida a dois, é sempre bom lembrar – “amor é fogo que arde sem ver”, e que merece todo cuidado e investimento para não deixar de brilhar.

Imagem de capa: Maksim Shirkov, Shutterstock

Anieli Talon

É jornalista, atriz, locutora, dubladora e tem a comunicação como aliada. Escritora por natureza, tem mania de preencher folhas brancas com textos contagiados por suas inspirações .

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