Devolver dinheiro para bancos não pode ser solução para crise, pois é sua continuação, revela Bauman em entrevista a Laura Britt e Petros Panayotídis, do Monitor Mercantil, publicada na quinta-feira passada (dia 20).
“A metade do problema é o excessivo consumismo, o esbanjamento que predomina. E é por isso mesmo que nenhum provável partido de poder não promete aos seus eleitores que combaterá o consumismo”, continua o sociólogo polonês, vice-reitor da London School of Economics, que se define um pessimista a curto prazo em relação ao futuro da sociedade.
A Grécia e o Sul Europeu atravessam uma prolongada crise econômica e são atingidos, incessantemente, por severas medidas de frugalidade. Qual é a opinião do senhor sobre tudo isto que está acontecendo?
As medidas são ligadas com os empréstimos que foram solicitados. É importante, contudo, alguém verificar para qual objetivo são utilizados os empréstimos que foram concedidos à Grécia. Se foram utilizados para recapitalização dos bancos, então, simplesmente, alimenta-se a raiz do problema e as políticas de frugalidade continuarão irredutíveis. As crises econômicas destinam-se não com a destruição de riqueza, mas com sua redistribuição. Em cada crise existem sempre alguns que ganham mais dinheiro em detrimento de outros. Nos EUA, por exemplo, após a crise observa-se uma lenta recuperação, mas 93% do Produto Interno Bruto (PIB) adicional criado beneficiou, somente, 1% da população.
Em seus livros, o senhor muitas vezes refere-se ao consumismo da atual, pós-nova sociedade. Em que grau existe conciliação entre consumismo e medidas de frugalidade?
Após 1970, existiu uma dominante cultura de poupança e os homens não gastavam dinheiro, a menos que o tivessem ganho anteriormente. Após 1970 e com a colaboração de políticos como Ronald Reagan, Margaret Thatcher e, teóricos com o Milton Friedman (Escola de Chicago), o sistema capitalista percebeu que, havia terreno virgem que poderia ser conquistado. Rosa Luxemburgo foi aquela que havia dito que, ‘o capitalismo rejuvenesce por intermédio de novas regiões virgens’. Mas, previu equivocadamente que, ‘quando o sistema conquistar todas as regiões virgens, desabará’.
Porém, aquilo que não previu era que o capitalismo adquiriria a capacidade de criar, tecnicamente, regiões virgens e apoderar-se delas. E uma destas são os homens que não têm dívidas. Assim, foram inventadas as cartas de crédito. Então, conformou-se uma cultura diferente daquela de poupança. Já agora, poderá alguém gastar o dinheiro que não ganhou ainda.
A fase de grande crescimento econômico, que durou desde os meados da década de 1970 até o início do século XXI baseou-se sobre esta pressão para endividamento. E quando alguém era devedor a reação dos bancos não era como antigamente, de enviarem o encarregado de cobrança, mas, ao contrário, enviavam uma carta muito gentil, com a qual, ofereciam um novo empréstimo, para resgatar o anterior!
Isto prosseguiu durante três décadas até que Bill Clinton (então presidente dos EUA) introduziu os empréstimos hipotecados de alto risco, significando que até os homens que não poderiam cobrir seus gastos poderiam contrair empréstimos habitacionais. Finalmente, esta situação atingiu o inviável e, assim, foi criada a crise financeira. Apesar de tudo isso, a economia capitalista parece resistir. Temos o exemplo do movimento Ocupem Wall Street, o qual atraiu a atenção da mídia internacional. Mas o único lugar em que não foi sentida era a própria Wall Street, a qual continua funcionando com a exatamente mesma forma!
E este é problema. Predomina a ideia no cérebro, também, da senhora Angela Merkel (chanceler alemã) e dos outros políticos, que a única forma é apoiar os bancos para terem condição de concederem mais empréstimos. Mas esta é uma política de andar às cegas, considerando que a região virgem do capitalismo já está esgotada. Quem pudesse endividar-se, já endividou-se! Até, inclusive, os netos de vocês já estão endividados, não resta dúvida nenhuma. Eles – seus netos – continuarão pagando os 30 anos da orgia consumista. E enquanto, no início a região virgem dos homens que endividavam-se resultava gigantescos lucros, gradualmente, esses lucros foram reduzidos e agora são mínimos, de acordo com a lei do desgaste de desempenho. Aquilo que acontece na Grécia agora é que o país investe em fantasmas.
Qual é a saída?
Me pedem para responder a uma pergunta, a qual, homens muito inteligentes, como Stiglitz (Joseph, Prêmio Nobel de Economia), têm dificuldade para responderem. É muito difícil serem encontradas soluções radicais. E aquilo que me preocupa, é que, entre as instituições políticas de que dispomos, não existe sequer uma em condição de proporcionar soluções de longo prazo. Todos os governos são submissos às – de acordo com o Dr. R.D.Laing – duplas instituições que, no caso dos governos, para utilizar uma analogia, são constituídas das pressões que recebem. Por um lado para serem reeleitos, devem ouvir as reivindicações do povo – querendo ou sem querer – e prometerem que irão atendê-lo. Por outro, todos os governos – de direita e de esquerda – são incapazes de cumprirem seus compromissos pré-eleitorais, por causa das bolsas de valores e dos bancos.
Por exemplo, quando a senhora Merkel e o senhor Sarkozy (Nicolas, então presidente da França) encontraram-se numa sexta-feira para trocarem idéias sobre o memorando da Grécia, tomaram e também divulgaram algumas decisões que os fizeram tremer durante o fim de semana inteiro até abrirem as bolsas de valores na segunda-feira. Não sei se a opinião do Dr. Laing está certa ou errada com a relação a família, mas julgo que tenho razão quando sustento que vigora no caso dos governos.
O mundo vota por decepção. Temos cada vez mais frequentes alternativas entre direita e esquerda. No âmbito da mesmo crise, o esquerdista Zapatero (José Luis Rordiguez, ex-primeiro-ministro da Espanha) foi derrotado pelo direitista Mariano Rajoy, enquanto, na França, o direitista Sarkozy foi derrotado pelo socialista François Hollande. Isto, exatamente, é o que quero dizer com o termo duplas instituições. Por um lado, a pressão da massa de eleitores e, por outro, o capital mundial, bolsas de valores e investidores que superam (em poder) qualquer governo.
Até, inclusive, os EUA estão superendividados. Imaginem os credores do governo norte-americano (China é o maior) exigirem resgate imediato de dívida. A economia norte-americana despencará num piscar de olhos. Em condições de duplas instituições, tanto na psicologia, quanto na macroeconomia, não existe escape bem-sucedido. Deve ser mudado o sistema inteiro desde os alicerces, e isto demanda tempo.
Sim, precisa-se de solução radical. Qual é a opinião de vocês sobre os movimentos do Sul Europeu? Nós esperamos que os movimentos de base parecem sendo apoiados cada vez mais. É a primeira vez em que na Grécia observam-se semelhanças com os meados da década de 1970, após a queda da ditadura. Existe um ‘cerrar de fileiras’ dos cidadãos e julgamos que isto é um muito bom prenúncio e esperançoso. É a única esperança.
No Diário de um Ano Mau, o escritor sul-africano Coetzee reexamina os princípios básicos que ordenam nosso pensamento, os alicerces de nossa imaginação, que consideram-se fundamentais. Os aceitamos silenciosamente. Kutsi não tem certeza e diz: “Se queremos guerra, teremos guerra. Se queremos paz, podemos adquiri-la. Se decidirmos que as nações devem agir em regime de antagonismos e não de colaboração amigável, isto será feito”.
Consequentemente, qualquer mudança é viável. É questão de vontade política. Em lugar de empresas privadas, podemos ter parcerias. Conforme disse em meu discurso por ocasião de minha nomeação para o cargo de vice-reitor de LSE (London School of Economics), meu tema era análise sociológica do movimento trabalhista britânico. Como desde a sua decadência no final do século XIX consolidou-se e adquiriu poder no século XX. Não aconteceu graças aos bancos e sequer foi financiado por instituições. Mas foi apoiado pela Associação dos Consumidores Rothschild, que foi a primeira ASSOCIAÇÃO DE CONSUMIDORES
Rothschild não era o único, existiam outros, também. Existiam o fundos de ajuda mútua que, com um pagamento mínimo, os membros em caso de dificuldades poderiam contrair empréstimos para não recorrem aos bancos. Estes fundos não eram especuladores. E, consequentemente, não são produtos da imaginação de Kutsi, mas é viável o fato de serem realizadas mudanças. Mas pressupõem revolução em nível de cultura e da forma de pensar. Se, finalmente, a mudança da forma de pensar já começou, é um lento processo a longo prazo que deve derrotar adversários fortíssimos. Assim, quando falamos em soluções, o problema maior não é o que encontraremos, mas, o que é necessário de ser feito. E nisto podemos conseguir conjugação de pontos de vista. A questão é quem o fará.
Talvez os cidadãos indignados?
Seguramente, não os partidos políticos de qualquer coloração. E muito menos os governos, que não controlam a economia cujas forças são mundiais. Os Estados, por definição são obrigados a agirem nos âmbitos de fronteiras físicas e institucionais. A economia não ocupa-se mais com o nível local, a legislação da nação, as preferências ou sistema de valores de seus habitantes. Assim que for constatado choque, pegam os laptop, os iPad e iPhones e transferem-se em países como o Bangldesh, onde encontram fácil acesso em mão-de-obra que custa US$ 2 por dia. Existe aquilo que o sociólogo espanhol Manuel Castels denomina ‘espaço dos fluxos’ (space of flows). Milhões de dólares são transferidos, apertando apenas uma tecla no computador. Assim, então, por um lado temos o poder que é liberado do controle político e, por outro, temos a política que, incessantemente, sofre e déficit de poder, de vez que, o poder desaparece no ‘espaço dos fluxos’.
O senhor quer dizer que a política é local, enquanto, o poder é mundial…
Exatamente. O mais fraco elo não é a comunidade, a cidade ou qualquer outra forma de localização, mas, o próprio estado, que é preso na armadilha entre dois fogos, da nação por um lado e, dos mercados por outro. E as iniciativas que vocês mencionaram nascem no nível subnacional. As instituições do nível nacional (partidos políticos, governo, parlamento e outros) não podem enfrentar esta dupla pressão. Já os cidadãos, em seu esforço para protegerem-se das consequências destas forças anônimas dos mercados, reagem de forma tradicional, isto é, organizam-se com seus conhecidos, vizinhos e todos aqueles com os quais percebem juntos que a melhoria de seu espaço físico terá repercussão positiva em todos e não é jogo de antagonismo com vencedores e vencidos.
Fala-se muito nestes dias sobre redes sociais…Sabem, enfrento este termo com descrença. As redes sociais estão relacionadas com a comunicação e a comunicação engloba, simultaneamente, a dinâmica da ligação e a dinâmica do desligamento. Prefiro falar sobre comunidade, porque este termo contém o sentido do compromisso, algo que não vigora no caso das redes sociais. Hoje, qualquer um pode ter centenas de amigos em uma rede online e, simplesmente, em algum momento, encerrar a comunicação com alguns, sem ser preciso explicar a razão ou pedir desculpa.
Como poderá ocorrer a mudança? Como é possível o sistema do mercado permanecer tão estável em um ambiente de liquidez generalizada, para utilizar os próprios termos do senhor?
Como lhes disse, não vejo alguma autoridade capaz de impor algo diferente e, creio que, para existir passarão décadas, não é algo que surgirá até as próximas eleições. A única solução radical que vejo é a consolidação de uma forma de vida, que tornará o sistema existente fora de uso. Quer dizer, encerrar-se o ceticismo de alguém contrair empréstimo para adquirir automóvel ou em nível de estados, de recorrerem ao endividamento para reduzirem os tributos para os muito ricos e adotar-se uma forma de vida que proporcionará – em algum grau – segurança para todos. Assim, em ambiente semelhante, os especuladores não poderão fazer muito.
Quer dizer uma forma anticonsumista de vida?
Exatamente. A metade do problema é o excessivo consumismo, o esbanjamento que predomina. E é por isso mesmo que nenhum provável partido de poder não promete aos seus eleitores que combaterá o consumismo. Não falamos, naturalmente, para frugalidade, mas para mudança da forma de pensar e de forma de vida, com ênfase na satisfação das necessidades e não a satisfação dos consumidores. O mundo, então, não esbanja dinheiro para adquirir diversos gadgets como, por exemplo, você adquirir um novo telefone celular, enquanto o antigo continua funcionando perfeitamente.
Qual o senhor considera que será o papel dos intelectuais neste esforço?
O intelectualismo já tornou-se, também, um produto que vende-se e compra-se e isto vale para todos, tanto conservadores, quanto progressistas. Antigamente, vamos dizer na década de 1930, existiam intelectuais com algum sonho, comunista ou até fascista. Hoje, os intelectuais com algum sonho são muito poucos.
Esta falta relaciona-se com a forma de ser e a comercialização do conhecimento?
Os processos da comercialização, da desregulação, do individualismo caracterizam todos os lados da atual sociedade. Assim, não existem mais ‘centros de peso’, pontos de encontro e ‘fábricas de solidariedade’. O mundo não tem percebido que vivemos a revolução industrial. Consequentemente, se agora vivemos uma pós-líquida revolução, somente seus filhos deverão conscientizar-se. Tudo é disperso, líquido.
Isto é excepcionalmente interessante!
O filósofo greco-francês Cornélios Castoriádis, quando – por motivo de suas posições radicais – foi perguntado se sua meta era mudar o mundo, respondeu: ‘Nem pensar. Nunca passou pela minha cabeça mudar o mundo. Aquilo que desejo é mudar a humanidade por si só, a exemplo de como já se fez tantas e tantas vezes no passado’. Esta é a ótica de homem otimista.
O senhor concorda com esta avaliação, em análise final?
Não terei tempo de vê-la, porque será a longo prazo. Contudo, espero que o século XXI será dedicado à religação de poder e política, dentro de uma ação de silogismo e metas comuns. A diferença entre posição otimista e pessimista é, pela minha opinião logicamente equivocada, considerando que esgota todas as possibilidades. Quem é o otimista? Aquele que acredita que o mundo como está aqui e agora, é o melhor possível. Quem é o pessimista? Aquele que pensa de que talvez o otimista tem razão. Existe, também, Castoriádis entre as duas posições, que diz que um outro mundo é viável e espera que, em algum momento, isto será realizado. Quanto a mim, sou pessimista em curto prazo e otimista em longo prazo. Não vejo mudanças radicais muito em breve, mas estou seguro de que estão no programa.
Fonte: Instituto Humanitas
Imagem de capa: Reprodução
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