Saí de casa sem pretensões. A ideia era tomar uma cerveja e refrescar a cabeça que andava quente e inquieta. O vazio dos últimos tempos já estava incomodando um bocado. O frio na barriga desapareceu e eu estava me sentindo oca. A cabeça fervilhava de ideias e planos, mas o peito não correspondia. Nada fazia o coração sair na inércia. Não acelerava diante de nada. Inspiração, encontro, desafio, surpresa. Nada o fazia perder o compasso. Busquei adrenalina em todos os cantos. Festas, trabalhos, bocas e aventuras. Bares, viagens, corpos e saudades. Nada. Ele mantinha sempre o ritmo cadenciado.
O sol a pino iluminava a tarde e todos me pareciam muito felizes. Acreditei que a cerveja me traria sorrisos também e virei os primeiros copos com doses de esperança. Nada. Ouvi piadas, contei histórias, virei outros copos e desisti de tentar sentir na intensidade que eu ansiava. Nem tudo precisa ser abundante. Aceitei a lacuna que me preenchia e deixei os ponteiros correrem sem ansiedade. Não dá para controlar o que a gente sente e não vou mais tentar plantar o que devia nascer sozinho. Pelo menos hoje.
O sol se punha e a lua já apontava no céu. Não era dia ainda, mas também não era noite. Era aquele conjunto de minutos que não é nem uma coisa, nem outra. A transição entre a luz e a escuridão. É aquele hiato entre o ser e o não ser mais. Aquele momento que todos observam e admiram, mas poucos assimilam. Era eu, resumida em um pequeno espaço de tempo. Observada sim, mas incompreendida. Inclusive por mim mesma.
Minha cabeça vagava por pensamentos desconexos. Eu apenas tentava me lembrar do que fazia as borboletas se agitarem no estômago, quando elas saíram do casulo e bateram asas dentro de mim. Foi repentino e violento. Como um golpe dado pelas costas. Como um despertar matinal. Era você. Tudo voltou a pulsar.
Te vi chegar tranquilamente com as mãos no bolso da calça e o olhar sereno. Era você. Te reconheceria mesmo que passassem cem anos. Seu rosto estava talhado na minha retina e rugas ou alguns cabelos brancos não me confundiriam. Eu nem sabia que você estava de volta ao Brasil, quiçá em São Paulo. Depois de tantos anos você estava diante de mim. Na mesma cidade, no mesmo bairro, na mesma rua, no mesmo bar. Não consigo acreditar em acasos e tenho medo de falar em destino, então prefiro não tentar decifrar o que aconteceu.
Você levou mais alguns passos para me encarar e, quando seu olhar alcançou o meu, me deixei descansar nele. O seu me fitou com cautela e um medo feio passou por mim, mas o sorriso rompeu seus lábios e sentenciou meu temor. Poucos metros separavam sua pele da minha e eu sentia os pelos arrepiaram com sua aproximação. Seus braços se abriram quando o último passo foi dado e eu repousei minha cabeça no seu peito. Senti seu abraço me envolver e uma tímida lágrima escorreu. Escondi a lágrima em sua camiseta e me afastei para poder encarar você de novo.
Os anos te esconderam de mim e ocultaram também tudo que um dia eu senti. Foi tão doloroso te esquecer que nem percebi quando enterrei meus sentidos todos junto com você. Sepultei a esperança e arrastei o resto com ela. Achei que sobreviveria assim, mas vejo que não. Estava tudo ali, guardado com você. Que bom que te encontrei de novo. Sei que você vai embora mais uma vez, que está aqui só de passagem, e dessa vez, não tem problema. Vai machucar, confesso, mas é bom sentir de novo, mesmo que seja dor. Foi lindo te reencontrar e assim me reencontrar também.
Imagem de capa: Kate Kultsevych, Shutterstock
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