Às vezes paro para observar como temos vivido nos dias de hoje e o que me vem à mente são pessoas em suas matrix numa realidade em fast motion.
É tudo tão urgente, é tudo tão rápido, tão abundante e raso – as conversas, as trocas, o jeito de sentir a vida. Me parece que os olhos e o coração não conseguem dar conta de reter as sensações de situações e pessoas que atravessam as nossas vidas.
Vejo encontros que passam e não deixam nem lembranças na pele, historinhas que acontecem e depois de duas semanas já se dissolveram totalmente, foram parar no universo das coisas que se perderam e nunca serão procuradas, foram substituídas por uma versão mais atualizada.
E, no entanto, temos uma ânsia por acumular essas coisas e esses momentos que dificilmente serão reacessados. A gente não vai lembrar das viagens, a gente vai se esquecer dos papos, das transas, das amizades repentinas que fizemos, vamos esquecer o nome da capital daquele país do leste europeu e o sabor da uva do vilarejo do Uruguai – se é que não era na Argentina.
Vamos esquecer de olhar as 500 fotos que tiramos num pôr do sol do pacífico. Não há mais álbuns de memórias, nem fora e nem dentro da gente. A gente não senta mais no sofá numa tarde de domingo para folear a nossa vida e sentir um pouquinho de nostalgia. A gente não precisa sentir nostalgia, todos os amigos de infância estão no nosso facebook, as nossas melhores fotos estão no instagram, as músicas da nossa infância e adolescência estão remixadas no spotfy.
Pra que parar, se há tanto para viver, se o mundo ficou pequeno, se os encontros são fáceis? Pra que deixar o celular de lado numa tarde, se as maiores novidades do dia estão nele? E precisamos consultar a nossa própria existência.
A gente não questiona mais, as nossas filosofias vêm prontas em cápsulas nos documentários da netflix. Dizem que devemos ser veganos, comer orgânico, e a gente se adapta, começa a seguir uma nova dieta, mas a gente nunca coloca a mão na terra, não observa o crescimento natural do alecrim, a gente não tenta entender o que é preciso fazer para que uma semente vire muda.
Nos dizem que devemos ser criativos, pois foi descoberto na universidade de Harvard que pessoas criativas são mais felizes, e a gente, então se adapta, cria um espacinho na nossa agenda já tão atribulada e começa a fazer dança, pintura ou arriscar uns versos que ilustram bem a nossa falta de profundidade. Só que a gente não fecha os olhos e deixa uma energia diferente nos desconstruir, a gente não coloca as mãos nos vincos da madeira, a gente não olha nos olhos de uma tela em branco, a gente não silencia e deixa que a poesia venha.
E ainda, por nossas frustrações diárias, por nossas dores e sensações mais difíceis de entender que foram varridas pra debaixo do tapete, a gente procura se espiritualizar. Aprendemos frases feitas, entramos nos grupos dos chás, lemos os mantras do despertar de consciência.
Assim não precisaremos realmente nos acessar, criamos mais um monte de
patuás para virar escudo de nós mesmos, para colorir a nossa bolha protetora.
A gente pega assim tudo sem maturar, sem esperar que germine e crie raízes e chegue até a alma. A gente vive tudo sem adentrar, a gente tem medo de se desestabilizar, tem medo de ficar perto de gente que nos faz questionar, tem medo de amar de verdade, tem medo de mostrar coisas nossas que desconhecemos, tem medo de ficar pra trás, de não curtir o momento, de perder tempo tendo que percorrer inúmeras veredas de autoconhecimento.
Perdemos o tesão de sermos ousados e corajosos, perdemos a audácia de arriscar a pele e o coração, perdemos a vontade íntima de analisar as nossas próprias frustrações. Perdemos o tesão de tocarmos as pessoas com verdade, de ver as coisas fora do nosso umbigo, de nadar num mar sem ter que lembrar de fazer um selfie.
A gente perdeu.
Imagem de capa: kryzhov, Shutterstock
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