Há mais de setenta anos um homem que via o mundo com olhos encantadores colocou no papel uma história que parecia para crianças, mas que no fundo contava a história dele e de muitos de nós. Não preciso dizer que falo aqui da belíssima obra “O Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry.
Curiosamente a ideia para o livro nasceu de uma experiência vivida pelo próprio autor em 1936: o avião que Antoine pilotava caiu no Saara e ele passou quatro dias sofrendo de desidratação, fome, e tendo alucinações, até ser resgatado por um beduíno.
Toda a narrativa do livro de Tonio (apelido carinhoso do autor) é muito ampla e eu vou aqui me distanciar um pouco das citações difundidas dentro e fora da internet para falar um pouquinho do Pequeno Príncipe que existe em nós. Sim, essa singela história infantil não é a história do outro, mas a nossa própria e talvez seja por isso que ela nos toca tão profundamente.
O pequeno Príncipe vivia em um planeta minúsculo, o asteroide B612. O seu planeta era do tamanho de uma casa. No entanto, ouso dizer aqui que ele não era apenas diminuto como uma casa, mas também simbólico como uma.
Por casa podemos entender: 1 – edifício de formatos e tamanhos variados, de um ou dois andares, quase sempre destinado à habitação. 2. família; lar.
Toda casa demanda uma série de cuidados que apenas quem mora nela conhece bem. Toda casa tem uma dinâmica particular. A casa física, com seus cômodos delimitados e a casa emocional, aquela que acolhe nossos entes queridos, requerem um enorme zelo diário e dependem da nossa dedicação exclusiva e constante para se manterem bem.
O comprometimento com a nossa casa é de nossa inteira responsabilidade. Nos portamos com relação a ela assim como o Príncipe em relação ao seu asteroide
Poderíamos então facilmente brincar de imaginar a nossa casa como um asteroide perdido em meio a um mundo de asteroides.
Todos os dias o príncipe precisava revolver seus vulcões. Ele revolvia todos os três, até mesmo o adormecido e fazia bom uso de algo que poderia ser prejudicial ao planeta dele.
Todos precisamos revolver nossos vulcões para que eles não explodam. Todos precisamos ter sabedoria e resiliência frente às situações que nos surgem para tirarmos delas o melhor.
As situações encaradas da pior forma possível podem nos levar à ruína. Encaradas da melhor forma possível tornam-se proveitosas. E esse manejo do olhar, sentir e agir é cotidiano. Se largarmos mão, nosso mundo se torna bem pouco agradável.
Outra questão interessante no minúsculo planeta do Pequeno Príncipe é que chegam a ele sementes boas e sementes ruins. As boas são florezinhas e as ruins os temidos Baobás. Logo, o Príncipe precisa estar atento para arrancar as mudinhas ruins quando ainda são bem pequenas. Se elas criarem raízes podem acabar com seu pequeno planeta.
Os Baobás podem representar tudo aquilo que nos chega de ruim. Aquilo que muitas vezes nos fere, machuca, mas que por alguma razão deixamos brotar em nós. Quando ainda pequenas, as sementes ruins podem ser facilmente liquidadas, mas quando grandes provocam enormes estragos.
Muitas vezes somos acometidos por coisas que nos chegam sorrateiras. Coisas que estavam bem escondidas em nós. Essas coisas podem ser um grande abalo emocional, síndromes e sintomas físicos. Daí precisamos parar tudo para, com muito esforço, cortar aquilo que um dia foi bem pequeno.
Quando somatizamos problemas podemos desenvolver transtornos psicológicos e físicos. Por isso devemos cuidar da nossa saúde física e emocional diariamente. E quando digo cuidar da nossa saúde emocional especificamente me refiro principalmente à interação, boa ou ruim, que temos com aqueles que nos acompanham durante a vida.
Na história o Pequeno Príncipe pede ao seu amigo piloto que pinte para ele um carneiro. Mas por que um carneiro e não qualquer outro animal que possa ter um apetite voraz por arbustos?
O carneiro é a representação da vida em todas as suas manifestações. Sejam elas positivas ou negativas. O carneiro é um signo que carrega em si o bom e o ruim. Pode ser organizado ou caótico. Pode ser generoso ou obcecado.
Se prestarmos atenção o desejo do príncipe é que o carneiro liquide todos os seus problemas, representados por arbustos de Baobás, mas ele percebe que o carneiro pode em suma comer sua amada rosa também. Afinal, a rosa pode em alguns momentos ser encarada como um problema.
A vida é assim. Gostaríamos, por vezes, de poder delegar algumas tarefas árduas, no entanto apenas nós podemos escolher o que é bom e o que é ruim para nós. E escolher entre um e outro exige que usemos não apenas a razão, mas essencialmente a emoção.
A rosa é a representação do amor romântico. Ela é caprichosa e reflete em muitos aspectos a própria mulher de Antoine, a salvadorenha Consuelo. Existem muitas similaridades entre as duas. Consuelo era asmática e ao mesmo tempo delicada e de personalidade forte. A Rosa também vive com suas tosses e precisa ser protegida do vento.
O príncipe faz de tudo para agradá-la, mas em certo momento, exausto e frustrado, resolve largar tudo e partir. O Príncipe parte assim como o próprio Antoine fez inúmeras vezes.
O Pequeno Príncipe enxerga o mundo então através de outros olhos. E dessa forma percebe que o convívio diário com sua rosa, a doação generosa, que por vezes o chateou, fez com que ele tivesse por sua flor um carinho especial.
O amor romântico não é fácil. A convivência diária muitas vezes é uma provação, mas é nela que os laços são tecidos. É nos desafios do dia a dia que cativamos e somos cativados. O príncipe partiu de seu planeta, mas o amor que carregou consigo o fazia se preocupar com o bem-estar de sua rosa, mesmo estando bem distante dali.
No final das contas ele só queria voltar para seu pequeno planeta e dividir com a rosa tudo que havia descoberto sobre o mundo e sobre ele mesmo. De que vale o aprendizado sem a chance de compartilhá-lo com aqueles que amamos?
Existem muitos outros ensinamentos em “O Pequeno Príncipe”. Em suma, quase todos os personagens guardam alguma semelhança com pessoas que conhecemos ou até mesmo conosco.
Nunca existiram tantos reis e vaidosos no mundo como nos dias de hoje. Tantos buscando o poder e vivendo para serem adorados, curtidos e seguidos por aí. Se olharmos bem esse comportamento é apenas uma projeção mental bastante fantasiosa.
Também são numerosos os que se ocupam com coisas sem sentido e esquecem de parar e pensar na própria vida e dar a si um pouco de bem-estar e propósito. Como o acendedor de lampiões, perdido em sua compulsão de fazer o que disseram que devia ser feito.
Outros personagens também comuns hoje em dia são o bêbado e seus vícios e o contador de estrelas que tudo quer. O geógrafo também é abundante mundo afora. Existem muitos especialistas de coisa nenhuma por aí, infelizmente.
Cada qual pode fazer do seu mundo o que desejar. Cada qual pode regar flores e ter jogo de cintura para tornar o viver agradável ou se perder dentre compulsões e contradições. O pequeno príncipe nos ensinou o caminho das pedras. Cabe a nós viver na manutenção constante daquilo que efetivamente pode dar bons frutos e nos manter saudáveis.
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Atribuição da imagem: diversas aquarelas da obra “O Pequeno Príncipe”.
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