Ahhhh é bem verdade que há inúmeros distúrbios do sono, catalogados, identificados e sendo pesquisados. Também é bem verdade que tem gente que sofre um absurdo por não conseguir dormir, fica namorando o visor do relógio, sem conseguir pregar o olho; e, quando o sono chega, é sempre naquela hora maldita em que falta um tiquinho de nada de tempo para o despertador tocar. Sofrer de insônia é um verdadeiro pesadelo, vivido ao vivo, de carne e osso e com os olhos arregalados.
E, não sei se é só aqui na minha terra; mas aqui tem um passarinho, um tal de sabiá que tem por hábito acasalar-se nos meses de julho e agosto. Até aí, beleza! Tudo bem o passarinho querer namorar e tal. Quem sou eu para dar “pitaco” na vida sexual e amorosa do bichinho? O único problema é que o infeliz do passarinho resolve fazer a sua “cantoria de acasalamento” por volta das 4 horas da manhã. E quem já sofreu de insônia, como eu, há de concordar que a sinfonia romântica do sabiá é um bocado ruidosa e inoportuna para quem tem um cérebro que não reconhece o escuro da noite como hora de descansar.
O fato é que nem sempre o nosso relógio biológico vive um caso de amor com o relógio cronológico do tempo da maioria das pessoas, aquelas que costumam viver durante o dia e dormir durante a noite. Há quem tenha os ponteirinhos internos meio rebeldes e teime em subverter a ordem estabelecida, há quem ame a noite e afirme que tem as mais geniais ideias e o mais legítimo prazer em estar vivo na calada da noite.
Os notívagos têm absoluta certeza, por exemplo, que a noite tem um cheiro próprio, especial. Que o clima da noite é mais interessante para criar, imaginar, namorar. Que dormir é gastar tempo da vida num estado de quase morte. Há, ainda, aqueles que de tão apaixonados pela escuridão, arranjam um jeito de fazer das horas escuras do dia o seu modelo pessoal de vida e de produção pessoal e profissional.
Como uma amante antiga da noite, pois desde muito pequena amava o silêncio da casa depois que todos iam dormir (apesar de ter medo do escuro… vai entender!), tenho cá minhas defesas incontestes para argumentar a meu favor: nenhuma operadora de telefonia celular, banco, ou empresa de telemarketing liga para ninguém de madrugada, o tempo das horas escuras parece escoar mais devagar, a noite é dos animais silenciosos, dos gatos, das corujas e dos morcegos, a noite termina sempre com o espetáculo de um novo dia.
E, antes que alguém resolva protestar sobre o quanto é sério o problema da insônia e o quanto o Brasil é o maior consumidor de Rivotril do mundo, e que a falta de sono afeta a memória, e que quem dorme mal, engorda e tal… peço aqui uma licença poética! Hoje tirei o dia para reverenciar a noite em sua beleza. Essa mocinha de olhos negros pontilhados de estrelas que exerce sobre mim a mais absoluta sedução é minha amiga querida, minha parceira, minha confidente. Hoje peço licença para confessar que é enquanto todo mundo – ou quase todo mundo – dorme, que a minha alma desperta e acolhe as inúmeras lições que a luz do dia me trouxe de presente. É nessa hora que entro em comunhão comigo mesma e que me sinto absolutamente em paz!
Imagem de capa: Hannah Hogan, Shutterstock
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