Igor Cruz

O mais importante é saber atravessar esse mar de dor…

“Estou cansado. Cansado de pessoas sendo ruins umas com as outras. Cansado de toda a dor que eu sinto e ouço no mundo todos os dias.” – À Espera de um Milagre – 1999.

As noites de inverno são sempre as mais frias do ano. E são essas noites que revelam os nossos piores fantasmas. Deitamos na cama e relembramos os momentos que gostaríamos que tivessem durado para sempre. Choramos por conta de algo que foi perdido, choramos por aqueles que se foram, e também por aqueles que ficaram sem muita vontade de ficar. Pensamos em tudo o que desejaríamos ter feito se houvesse outra chance e geralmente nos desesperamos ainda mais por não ter conseguido realizar nem a metade dos que gostaríamos. Sem dúvidas as noites de inverno ficam ainda mais frias quando o coração está gelado. E como bem sabemos uma vez o gelo quebrado, fica cada vez mais difícil de juntar os cacos e remontá-lo.

São nesses momentos que a angústia e o medo tomam forma, se moldam e nos levam a situações extremas. A dor surge de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Ela começa incomodando aos poucos, nos fazendo buscar a sua fonte, e assim ela vai tomando conta de todo o corpo e mente. Uma dor chata, aguda, e que cresce a cada minuto. Uma dor que aumenta com a escuridão, com o medo e a angústia. Uma dor que responde como solidão. Essa é a dor do coração se estilhaçando aos poucos, se partindo e atingindo as entranhas pelo corpo todo e tomando toda nossa mente.

Essa dor nasce em algum momento sem que conseguimos perceber, e vai doendo bem pouquinho, um incômodo de leve, quase que imperceptível. Assim, não damos o devido valor, não observamos como ela se desenvolve e cresce dentro de nós. Até o ponto em que ela se torna insustentável, tão grande e forte que já não conseguimos ignorar. Não conseguimos mais fugir, deixar de lado e continuar a viver. Em algum momento bloqueamos tudo em nossa volta, esquecemos os amigos, os familiares, e simplesmente nos fechamos. Abraçamos esse sentimento e deixamos de lado tudo o que poderia ser feito para melhorar. A covardia é o principal escudo para justificarmos nossas dores.

Cada um lida de uma maneira diferente com a dor que sente no coração. Uns preferem a retração, preferem se manter fechados dentro do seu próprio núcleo, se lastimando e afogando em meio às próprias lágrimas para tentar abrir os olhos. Já outros escolhem atacar, usar da agressividade para combater a dor. Descontam naqueles que estão ao seu redor suas frustrações como meio de proteção para não demonstrar o que estão sentindo. Para não deixar claro o quanto também podem ser frágeis e fracos perante a uma dor imposta a estes. É sempre mais fácil encontrar um erro no outro, que admitir suas próprias falhas, seus medos, suas inverdades. Discursos sem quaisquer fundamentos são deferidos por aqueles que têm como principal objetivo machucar o outro para não demonstrar seus medos internos. O escuro faz coisas horríveis em nossa mente, e a cegueira humana é a pior das maneiras de machucar o outro.

Às vezes levamos tudo para o lado pessoal, é verdade, deixamos de escutar, para manter nosso ego inflado, para manter nossa guarda levantada. A dor causa o medo do fracasso, causa a dúvida e a insegurança. Nesse momento precisamos sim fazer escolhas, escolhas estas capazes de mudar toda nossa história subsequente. Devemos escolher como vamos lidar com toda essa dor, todo esse medo que adquirimos. Podemos passar por cima e sobreviver a ela, chutar o balde e nos posicionar de maneira firme para encontrar uma saída melhor, podemos também abraçar a dor e mergulhar de cabeça nesse, que é um abismo sem limites, no qual não sabemos o quanto podemos ser fortes o suficiente para fugir dele; ou então podemos simplesmente ignorá-la, deixar de lado e fingir que essa dor não existe. O difícil é saber até quando seremos capazes de sustentar esse tipo de situação.

As noites de inverno são sempre as mais frias. A dor é intermitente e se não enfrentarmos de frente, nunca saberemos se somos ou não capazes de sair inteiros desses enfrentamentos. É importante que aprendemos a sobreviver à dor, aprendemos a juntar os cacos pelo chão e montar tudo novamente. Esperar que a dor passe não é a melhor alternativa. Precisamos fazer com que ela se dissipe de uma vez por todas para que assim possamos viver novamente em paz. Precisamos ser fortes, por que a dor chega sempre nos nossos momentos de fraqueza, nos momentos em que estamos desguarnecidos, desatentos. Ela te pega pelas costas, aplica golpes baixos e te derruba, e mesmo quando você já está completamente derrotado, ela permanece intensa, constante, continua firme e segue te mantendo no fundo.

É impossível saber de quais formas que cada um de nós, irá reagir às dores que a vida nos impõe. Aos momentos em que tudo parece dar errado. Às vezes por mais que imaginamos que já estamos embaixo, sempre tem mais alguma coisa para nos mostrar que o fundo pode ser ainda pior. É difícil encontrar respostas e soluções para levantar no dia seguinte. Respostas de como sair de toda essa situação complicada. Mas o mais importante é não deixar de lutar, não deixar que a dor seja mais forte, não deixar que a noite seja mais longa do que ela é. Precisamos ser firmes, e esconder bem nossos monstros interiores de uma forma que nem nos piores dias eles possam sair. Precisamos nos manter firmes porque a vida está sempre disposta a nos testar a cada da mais e mais. Precisamos acreditar que por mais que as noites de inverno sejam tão frias, elas não duram para sempre, e logo vira a primavera e precisamos estar ainda mais fortes para recebê-la de alma e braços abertos.

Imagem de capa: Puttipong Siripornsawan, Shutterstock

Igor Cruz

Arquiteto, urbanista, escritor, podcaster e editor. Escrevo em busca de algo que me conecta com o outro, que me faz emergir em uma onda de amor e pensamentos sobre o que a vida ainda pode ser. A escrita é uma ponte que nos conecta há um novo mundo cheio oportunidades e conhecimentos. Cabe a nós e somente nós, dar o primeiro passo para atravessar essa ponte. Podcaster no InFormais Podcast.

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