Rândyna da Cunha

Esteja preparado para a ingratidão

Para ajudar o próximo é essencial não esperar nada em troca, aliás, é preciso estar preparado para receber ingratidão. Eu sei que é estranho pensar que devemos aceitar a ingratidão. Estamos acostumados com a recompensa e achamos justo recebê-la sempre, mesmo que não sejamos pessoas justas o tempo todo. Sei que olhamos para nós mesmos como modelos e abstraímos nossos defeitos, afinal, ninguém é perfeito. Sei também que somos cheios de direito. Mas a gratidão é livre. Gratidão é dada quando se quer dar e por quem quer dar. A ajuda – erroneamente – também é voluntária, então, por que cobrar algo em meio à tanta voluntariedade. Também precisei aprender que receber gratidão não é meu direito. É direito do outro dar ou não.

Em um mundo circular como o nosso, em que a vida dá muitas voltas e hoje estamos lá em cima, mas amanhã podemos estar mais baixos que o chão, ajudar o próximo não é um favor, é uma obrigação. Como assim? No futuro, pode ser qualquer um de nós no lugar dele. O que esperaríamos que fizessem por nós, devemos fazer ao próximo.

A vida gira com uma velocidade incrível e são muitos os fatores que nos fazem cair, alguns provocados por nós, outros, apenas acontecem. Para chegar ao fundo do poço basta um desequilíbrio emocional, um problema de saúde grave, uma desilusão amorosa, uma escolha profissional errada, uma decisão precipitada… O problema é que muitas vezes este fundo do poço não tem mola e é preciso que alguém, lá na beirada, jogue uma corda para te puxar e te ajudar a sair.

Observem a lição dada por Jesus, através do modo como viveu a própria vida. Dentre as pessoas que ajudou, poucas voltaram para lhe agradecer, poucas o procuraram para recompensá-lo. Os poucos que fizeram isso, se tornaram seus amigos, seus seguidores, como Maria Madalena, que entregou a vida a ele e o seguiu até o fim. Mas, aos que não fizeram, Jesus os abençoou e seguiu o próprio caminho. Quando ajudamos o próximo, não devemos esperar por recompensas. Devemos “fazer o bem, sem olhar a quem” e, de repente, conseguimos ganhar um amigo, alguém que nos oferece a melhor coisas que alguém pode oferecer: amizade.

Sim, você ajudou 100 e apenas 1 te ofereceu algo em gratidão. Mas, se a intenção é lucrar, não deve ser chamada de ajuda. Deve ser chamada: troca, escambo, negócio.

Ajudar o próximo diz muito mais sobre si mesmo, que sobre o próximo em si. Quando ajudamos imotivadamente estamos no caminho correto de uma vida dotada de compaixão e misericórdia. A recompensa é puramente entre você e você mesmo. É seu coração sendo preenchido pela paz de saber que em um mundo tão terrível, você fez algo para mudá-lo, mesmo que nada mude. Não é o resultado em si que importa, é o fazer, afinal, o seu fazer pode transformar muitas vidas, motivar muitas pessoas a serem melhores.

Jamais se esqueça: a vida é cíclica. Da mesma forma que ela vai, ela também volta e, muitas vezes, ela volta dando pancada e nos derrubando inesperadamente.

Aprendi que a gratidão, na maior parte do tempo, vem apenas em forma de um breve sorriso, daqueles que já tão humilhados, caminham sem dignidade alguma e nada mais têm a oferecer, além de um sorriso.

Imagem de capa: Marco Scisetti, Shutterstock

Rândyna da Cunha

Rândyna da Cunha nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1983. Graduada em Letras e Direito, trabalha como empregada pública e professora. Tem contos publicados em diversas revistas literárias brasileiras, como Philos, Avessa e Subversa. Foi selecionada no IX Concurso Literário de Presidente Prudente. Participou da antologia Folclore Nacional: Contos Regionalistas da Editora Illuminare e das coletâneas literárias Vendetta e Tratado Oculto do Horror, da Andross Editora- http://lattes.cnpq.br/7664662820933367

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