Rândyna da Cunha

Você tem todo o direito de sentir coisas ruins

Imagem de capa: https://pixabay.com

Comumente, sempre que alguém está chateado com algo e extravasa oralmente, surge alguém imediatamente com panos quentes e um belo discurso de “Não alimente isso. Vai te fazer mal. Rancor provoca câncer.”.

Hoje as pessoas decidiram que é saudável mutilar os sentimentos. É criminoso se magoar, sentir rancor, e, até mesmo, odiar. Todo o mal que lhe for feito deve ser recebido com amor e devolvido com corações flutuantes de algodão doce. Imaginem que uma pessoa viva durante trinta anos engolindo tudo que lhe fizerem de mal – tudo – sempre deixando para lá, nunca se defendendo, nunca demonstrando que foi ferido, apenas aceitando. Dentro dessa pessoa será armazenada uma quantidade gigante de sentimentos mal resolvidos e não curados. Não seria este o cerne da depressão? Bem, se a pessoa se permite sentir todos estes sentimentos ruins, que foram resultado das ações ruins que as pessoas tiveram contra ela, significa que ela está encarando de frente os problemas que teve. Como um adulto, ela está confrontando os seus problemas e os sentimentos que eles lhe provocam, ela está vivendo aquela dor e não fugindo dela. Por outro lado, se a pessoa decide simplesmente ignorar esses sentimentos, ela está guardando e armazenando-os onde talvez não haja espaço infinito e, em algum momento, tudo pode explodir.

Esta historinha furada de “deixar para lá”, apenas faz com que as pessoas escondam seus sentimentos, não os encarem de frente. O deixar para lá está criando uma geração emocionalmente doente, que se prostra numa cama dias a fio, sem saber os motivos e quando descobre, leva mais outros vários dias remoendo estes motivos. É o conselho do autoflagelo. Nunca uma geração foi tão influenciada a se autoflagelar como agora. É imperativo e obrigatório não sentir nada mau. Sinta apenas o que é bom e mate-se todo dia um pouquinho mais. As feridas que lhe causaram não podem ter tempo para se curar, elas devem ser rapidamente fechadas. Pronto! É tudo mecanizado: viva, sorria, perdoe, ria, ame, esqueça!

Não ouça estes conselhos vazios de gente que finge que não estoura. Acredite: todo mundo explode, todo mundo se defende, todo mundo odeia! Todo mundo sente, ainda que esconda! Que prisão é essa que as pessoas decidiram criar para nos impedir de termos os sentimentos que quisermos? Sentimento não encarados são sentimentos não resolvidos, não tratados e não curados. São sentimentos prestes a causar um rebuliço a qualquer instante. Há pessoas que fingem não se importar, mas, no íntimo, todos sentem as pancadas da vida. Todos se magoam. Não é porque uns conseguem ostentar uma casca dura que eles também não possuam sentimentos humanos como você. Eles apenas sabem fingir melhor.

Você tem sim o direito de viver o sentimento que você quiser, seja ele bom ou ruim. Se não fosse assim, você teria nascido desprovido dele. No entanto, como humanos, nascemos repletos de sentimentos. Somos seres sentimentais, prontos para sentir tudo ao nosso redor e dentro de nós. Não devemos nos mutilar para transmitir uma impressão a nosso respeito que não existe, que não é necessária, que não acrescentará nada a quem somos. Se o que você precisa é dizer um belo palavrão, ou apenas escrever um textão na rede social, vá em frente! Você é livre. E o desabafo ainda é a melhor terapia, afinal, os consultórios dos psicólogos existem para isso. Seja como for, liberte-se! Viver o sentimento negativo é o que nos ajuda a vencê-lo e, de fato, esquecê-lo.

Rândyna da Cunha

Rândyna da Cunha nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1983. Graduada em Letras e Direito, trabalha como empregada pública e professora. Tem contos publicados em diversas revistas literárias brasileiras, como Philos, Avessa e Subversa. Foi selecionada no IX Concurso Literário de Presidente Prudente. Participou da antologia Folclore Nacional: Contos Regionalistas da Editora Illuminare e das coletâneas literárias Vendetta e Tratado Oculto do Horror, da Andross Editora- http://lattes.cnpq.br/7664662820933367

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