Imagem de capa: CHOATphotographer, Shutterstock
Talvez o seu não tenha, mas o meu tem.
Ele me lembra a narrativa que ouvi, há muitos anos, de um seminarista que vivia as agruras da pobreza, quando estudante num seminário.
Um dia, acabou o sabonete. Nada de dinheiro para comprar, nada de amigos ou família para o presentear, e todo dia, na hora do banho, ele se lamentava com a água correndo pelo corpo, lavando o suor, e algumas vezes, as lágrimas.
O cheiro do sabonete dos colegas do quarto compartilhado, lhe era extremamente penoso de sentir. Todos cheiravam a lavanda e alfazema, e ele cheirava a nada.
Até que, um dia, cansado dessa situação, o seminarista enviou uma mensagem ao Deus do céu, nestes termos:
– “Deus eu não tenho sabonete, e não tenho mais esperança de que alguém, nesta terra, perceba que preciso de um sabonete.
Portanto, se o Senhor me vê, se importa, e me quer seminarista, mande-me um sabonete para que eu saiba que este é o meu lugar.
Caso contrário, sairei daqui e procurarei um trabalho onde eu mesmo possa ganhar e providenciar a compra do meu sabonete.”
Naquela tarde, o seminarista recebeu a visita de um amigo – tão pobre quanto ele – que estava em trânsito pela cidade, e lhe trouxe, de presente, um sabonete.
-Olha, é uma coisa doida, mas Deus me mandou vir para lhe dar um abraço, e lhe trazer um sabonete.
O sabonete saiu do bolso do amigo com asas -anjo alado na terra- e pousou diretamente no bolso do seminarista que caiu de joelhos.
E dessa forma, tanto ele quanto o amigo tiveram o espírito renovado pela certeza de que Deus ouve e opera, em resposta ao clamor do seu povo.
Mas e o sabonete? O que dizer do sabonete?
Pode um sabonete tornar-se um objeto quase ungido, fruto de um milagre de fé?
Pode, claro que pode.
Eu tenho certeza que aquele sabonete não chegou a ser consumido até o osso. Um restinho sobrou como memorial para celebração.
Um sabonete no altar?
Deus contido num sabonete?
Os átomos do sabonete vivificados por uma experiência de fé?
Não se trata disso!
O sabonete continuou sendo apenas um sabonete.
Mas tudo aquilo que é bafejado pela fé, fica irremediavelmente vinculado ao sobrenatural de Deus, para aquele que por ele clamou.
Eu não vivi essa história, apenas a ouvi. E mesmo assim, todas as vezes que desembrulho um sabonete,eu me lembro, e às vezes, dependendo do nível de espiritualidade daquele dia, eu me pergunto:
Onde haverá alguém orando por um sabonete?
Onde haverá a necessidade de um sabonete para uma epifania cósmica?
Onde haverá a necessidade de um cobertor?
Onde haverá a necessidade de um abraço?
Onde Deus tornou-se dependente de pequenas e de ínfimas coisas, e de mínimas, pobres, e sensíveis pessoas, para revelar-se na terra?
Nada neste mundo tem muito significado a não ser que você lhe empreste algum significado.
É preciso zerar o olhar, e inaugura-lo a cada manhã, para substantificar a porção divina que, talvez, possa existir num sabonete, num cobertor, num livro, num abraço, dependendo da necessidade do outro, e da sua sensibilidade para capta-la.
Nesse sentido – e só nesse – para os sensitivos tudo é divino, tudo é milagre, tudo é celebração, tudo é majestosamente grande, e digno de reverente contemplação.
Até um sabonete.
O contrário também é verdadeiro.
Para os distraídos nada é divino, nada é epifania, nada é celebração, tudo é infinitamente pequeno, normal, corriqueiro e destituído de realidade.
Até um grande milagre.
Em algum momento da vida, os que crêem perceberão em que lugar estão: no lugar da fé que só precisa de um sabonete,
ou no lugar da fé que precisa de um grande milagre.
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