André J. Gomes

Querer-te bem nem sempre é querer-te perto.

Imagem de capa: Eakachai Leesin, Shutterstock

Vem, pessoa amiga. Senta aqui um instante. É importante. O mundo anda tão cheio de dificuldades e nós não devíamos criar mais uma. Quem se quer bem deve mais é criar facilidades. Suavizar o que puder. Tomar os nós cegos, difíceis, e desatá-los sem mais. Então eu vou direto ao ponto. Não me leva a mal. Aprecio a tua companhia, mas de quando em vez eu preciso ficar só.

Acredita. Eu te quero bem. Quero, sim. Tenho por ti uma mistura rara de sentimentos bons. Mas há um tempo em que careço de solidão. Isto não é gostar-te menos. Não é querer-te mal. É respeitar o meu desejo de, vez ou outra, não querer perto mais ninguém além de mim mesmo.

Não vou mentir. Tu sabes. Toda mentira é ruim. Uma hora ou outra nos volta na cara, no susto. Mentir pode ser inevitável até, mas bom negócio não é nunca. Jamais haverá de ser. Mentira nenhuma presta. Mas a pior delas, a pior mentira de todas, é aquela que esconde o que a gente sente aqui dentro. Quem mente a si mesmo para agradar o outro morre um pouquinho. E mata um tanto também. Fere de morte a franqueza que dá vida a todo amor. Não, tu não precisas disso. Agrado nenhum é melhor que a sinceridade. E antes doer de verdade que agradar de mentira.

Preciso de espaço. Necessito do tempo de esticar as pernas, estender o olhar adiante, caminhar sozinho até ali em frente e voltar aqui para dentro. Nenhuma companhia há de ser boa quando já não faz diferença. Quando estamos perto e é como se não estivéssemos. Quando nos tornamos indiferentes um ao outro. Quando a alma grita que carece estar só e não lhe damos ouvido.

Aqui e ali, há sempre quem nos julgue como monstros egoístas, bichos individualistas, ególatras, egocêntricos e essas coisas. Sempre há. Fazer o quê? No mundo há toda sorte de sabotadores, primos em algum grau das cobras peçonhentas e dos mosquitos transmissores de doenças. Fujamos deles. Esvaziemos os vasos das plantas, eliminemos a água parada, limpemos o quintal, lancemos fora o entulho e a sucata. Se não lhes dermos abrigo, os perniciosos se enfraquecem e somem. Se não lhes dermos ouvidos, os juízes de plantão também tomarão seu rumo.

Sejamos honestos. Sinceros conosco. Decentes com o que sentimos. Vez ou outra, precisamos de espaço.

Assim preservamos o que criamos juntos, o que temos em comum, como um, hoje tão incomum. Tu sabes. Esse respeito por nós mesmos e pelo outro é tão raro! Sabe Deus por quê, preferimos nos anular para agradar o juízo alheio. E se fizermos o contrário somos julgados como aberrações. Deixemos disso. Sigamos para um nível de cumplicidade que dispense salamaleques, afetamentos, frescuras e essas coisas próprias dos amigos da onça. Ou nos afastemos de uma vez.

Não me leva a mal. Eu te quero bem. Mas querer-te bem nem sempre é querer-te perto.

Sou só e gosto assim. Só. Sempre só e sempre à espera de quem venha e entenda minha alma, e compreenda meu coração. À espera de quem ficará o tempo que for porque será livre para ir. E que na hora certa há de soltar minha mão e me deixar só. Bicho feito de trabalho e afeto, em eterno estado de amor e saudade, ternura e solidão.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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