Imagem de capa: AlexMaster, Shutterstock

Não tenha pressa de estabelecer uma ordem imediata, não queira definir isso que surge e vem em tantos ritmos. Algumas manhãs invade as janelas, em outras é bicho arredio.

Não desague tantos planos, não faça tantas promessas, não acredite no tempo, não encontre significados óbvios nos encontros do acaso. Foi tudo uma coincidência, bonita, mas sem razões além de si mesma.

Tenhamos sim olhos de perceber as bonitas coincidências e vive-las. Vivemo-las acima de tudo, agora. Não vamos confisca-las, captura-las, prega-las nas pareces da memória, emolduradas com bonitas palavras de amor. Já tão gastas. E dizer que foi o destino. Decoremos nossa memória com artefatos mais rústicos, menos lineares. Com imagens sem vernáculos. Com palavras menos cheias e corrompidas. Pois nosso existir juntos é movimento, se dá pelos olhos e não pelas convenções. E os olhos às vezes sorriem, às vezes desaguam, às vezes nascem, às vezes se fecham.

Não fale palavras de amor.

As palavras embrulham o amor, envolvem o amor, sobrecarregam o amor, escondem o amor. As palavras de amor se tornam o amor. E o amor vira só casca, bela fachada. As palavras pesam. Porque represam o que era livre. As palavras de amor me culpam, me tornam responsável por aquilo que cativei. Mas cativei com olhos! Não com palavras. Não traduza os olhares com palavras desse calão.

Não me fale palavras de amor.

Me fale palavras nuas, cruas, de vento, de deserto, de bicho sem alfabeto, de som de passarinho. Liberte as palavras de bobo, esqueça as de sábio.

Eu sei eu sei, escrevo, como não haveria de saber. Traduzir sentimentos em palavras é prolongar belezas, é mantê-las um pouco mais perto de nós, é poder admira-las mais vezes e com isso atar o sentimento. Falemos sim dos sentimentos! Esse sentimento que surge em tantos ritmos, às vezes invadindo as janelas, às vezes sendo bicho arredio. Falemos de sentimentos.

Mas não falemos as benditas palavras de amor.

Essas palavras que só querem concretizar as janelas invadidas e suprimem os bichos arredios.

A intensidade dos oceanos está no quebrar das ondas mas também no intervalo entre uma quebra e outra.

Não fale palavras de amor que são só ondas, explosão.

Me dê um poema mexicano e oriental. Tudo na mesma folha. A veemência de um Neruda nas três linhas de um haiku.

Sejamos intensos e inofensivos. Sejamos silêncios prolixos. Sejamos vendavais descomedidos.

Mas não sejamos palavras de amor.

Clara Baccarin

Clara Baccarin escreve poemas, prosas, letras de música, pensamentos e listas de supermercado. Apaixonada por arte, viagens e natureza, já morou em 3 países, hoje mora num pedaço de mato. Já foi professora, baby-sitter, garçonete, secretária, empresária... Hoje não desgruda mais das letras que são sua sina desde quando se conhece por gente. Formada em Letras, com mestrado em Estudos Literários, tem três livros publicados: o romance ‘Castelos Tropicais’, a coletânea de poemas ‘Instruções para Lavar a Alma’, e o livro de crônicas ‘Vibração e Descompasso’. Além disso, 13 de seus poemas foram musicados e estão no CD – ‘Lavar a Alma’.

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