Ana Macarini

A vaidade que nos põe de joelhos diante do mundo

Imagem de capa: Nicoleta Ionescu, Shutterstock

A vaidade não chega a ser assim um grande pecado. Será que não?! Em dupla com a arrogância, a vaidade compõe um dos Sete Pecados Capitais: a soberba! Segundo o filósofo Santo Tomás de Aquino, a soberba era um pecado tão grandioso que era fora de série, devendo ser tratado em separado do resto e merecedor de atenção especial. Aquino tratava em separado a questão da vaidade, como sendo também um pecado, mas a Igreja Católica decidiu atrelar a vaidade à soberba, acreditando que neles havia um mesmo componente de vanglória. Pecado, ou não, a verdade indiscutível é que a vaidade é um laço de armadilha extremamente poderoso que nos põe de joelhos diante do valor que os outros nos atribuem. Então… Você vai ficar aí ajoelhado ou vai se levantar e tentar descobrir se as suas ações e posturas são suas mesmo ou, não passam de representação para angariar adeptos?

Quanto mais vaidosos formos, maior será a nossa necessidade de atrair a admiração e a inveja dos demais. Ficamos retidos numa malha viscosa que nos impele a criar imagens admiráveis de nós mesmos. O aplauso alimenta em nosso íntimo esse desejo voraz pelo reconhecimento, por olhos vidrados em nosso sucesso. À medida que crescemos aos olhos de nossa apaixonada plateia, encolhemos dentro de nós mesmos. A imagem projetada já não nos satisfaz; queremos ser mais, ter mais, valer mais.

O impulso da vaidade é elétrico e constante, cria ondas alternadas de prazer e de sofrimento em nossa frágil percepção da realidade, e nos coloca reféns de mais um elemento além da plateia apaixonada: o espelho! O espelho, esse artefato mágico de metal e vidro que reflete o que somos, o que queremos e o que parecemos ser. O espelho, diferente da plateia, não é apaixonado por nós. O espelho é implacável. Podemos, até, evitar olhar para ele intencionalmente. Mas o mundo, sustentado pela vaidade humana, é cheio de superfícies polidas a atrair nossos incautos olhares para nossa desgastada figura. Corremos dois riscos opostos, mas igualmente perigosos, ao contemplarmos nossa imagem no espelho: podemos nos desapontar ou nos apaixonar pela efêmera figura que nos representa.

O reflexo, o aplauso, o olhar da plateia… Conjunto de elementos ilusórios aos quais podemos facilmente entregar as linhas que nos fazem agir ou reagir. Basta que optemos pela doce sensação de sermos admirados, queridos, desejados e invejados. Pronto! Uma vez transferido o poder da escolha para a mão do outro, ganhamos uma vida de faz de conta. Somos transformados em luxuosas marionetes de porcelana, vestidas em sedas e ornadas em ouro. Tudo uma linda fantasia. Agora, é só relaxar. A decisão foi transferida: aguardemos o movimento das cordinhas que, agora, têm as curvas e retas do nosso destino. É o outro, promovido a roteirista de nossas vidas quem decidirá quando devemos sorrir; ficar; partir ou chorar.

Refletindo sobre as dificuldades enfrentadas pelos inquietos seres humanos, em seguir modelos de virtude, Montaigne (filósofo francês do século XVI), apontou para a escolha menos doentia dos pressupostos de Demócrito. O grego considerava vã e ridícula nossa condição humana; e alegava que nossa única saída para enfrentar os embates da alma, seria sair em público com um semblante risonho e zombeteiro estampado no rosto. Não porque rir seja mais fácil que chorar; mas porque o lamento valoriza o objeto de sua consideração além do que merece, ao passo que as coisas das quais rimos são consideradas no pouco que valem. Há no homem mais variedade e tolice do que infelicidade e maldade: se a dor o atinge, se o infortúnio o surpreende, é mais sábio rir do que chorar, pois o riso tira o peso dos acontecimentos e desvia o espírito para pensamentos leves e propícios à distração. Nossa história é mais cômica do que trágica e é segundo seu caráter ridículo que merece ser narrada. Por isso, os elementos grotescos e disformes atravessam os Ensaios (obra de Montaigne), mesmo quando o assunto parece digno de lamento. Assim, o filósofo descreve sua própria experiência, esperando que o riso traga emenda à vaidade humana, fazendo-a ciente de sua futilidade e inconstância.

Tendo em mente que nossas estreias na vida, nunca serão precedidas de ensaios; tentemos atribuir maior leveza às nossas posições, decisões e inevitáveis julgamentos. Estamos todos nós tentando nos equilibrar sobre um mar inconstante; teimando em manter cada uma das pernas em um barquinho. Uma hora dessas vamos ter de escolher. Uma hora dessas vamos ter de criar coragem para ver além do que parecemos ser. Uma hora dessas, vamos ter de entender que dar de cara com a verdade, pode ser muito melhor do que viver enganado. Vamos ter de abrir mão do falso calor do amor do outro, quando se baseia numa imagem de fumaça de nós mesmos, criada para nos garantir uma certeza definitiva que nunca ninguém terá.

Ana Macarini

"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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