Ana Macarini

Tem dias que a gente precisa se carregar no colo

Imagem de capa: Fabiana Ponzi, Shutterstock

Dias difíceis não são privilégio de uns ou de outros. Dias difíceis são altamente democráticos; atingem os fortes, os fracos, os crentes, os céticos, os empedernidos e até (pasmem!), os apaixonados. Há dias em que temos a clara sensação de termos passado por uma “máquina desorganizadora da vida”, enquanto dormíamos inocentemente. Nesses dias, acordar já é um desafio à coragem. A cama parece ter desenvolvido uma espécie de atração fatal sobre a nossa incauta pessoa. Ao abrir os olhos, ficamos tentados a fechá-los novamente por tempo indeterminado. Mas, o que nunca podemos perder de vista é que os dias difíceis (por mais insanos que sejam), assim como os dias maravilhosos e inesquecíveis, duram as mesmíssimas 24 horas. Uma hora ele vai acabar!

Fazemos parte de uma parcela histórica da humanidade que assiste ao mundo transformar-se a cada minuto. Caso sejamos um tantinho distraídos demais, corremos o risco de perdermos a capacidade de entender o processo. Tudo é muito rápido, muito abrangente, muito impactante e acontece ao mesmo tempo. Por outro lado, é tanta informação a nos fazer de alvo que, caso tomemos a perigosa decisão de nos mantermos “antenados” a tudo, corremos o sério risco de enlouquecer completamente, sem remédio.

A loucura do mundo atual é caracterizada por uma série de eventos, aos quais nos submetemos quais cobaias voluntárias. Aceitamos, com um sorriso anestesiado na boca, rotinas de trabalho que beiram a escravidão. Oferecemo-nos para bater metas, atingir objetivos brilhantes e quebrar recordes de eficiência, em troca de um estúpido e perecível reconhecimento que dura apenas alguns minutos. Passado o encantamento do sucesso, damos de cara com novas metas, objetivos e recordes a serem quebrados.

O sucesso é uma droga poderosa para nos envenenar aos poucos. Basta um olhar atento para observar o quanto o mundo anda abarrotado de gente especializada; gente que ostenta títulos de mestrados, doutorados e pós-doutorados com a mesma vaidade ingênua com que um garoto de 5 anos exibe um álbum de figurinhas completo. Os títulos, acabam servindo apenas como uma espécie de escudo para proteger o sujeito de ser indagado, questionado ou tratado com os mesmos pesos e medidas a que estão submetidos os pobres mortais.

Ora, de nada adianta empanturrar-se de certificados acadêmicos e passar a vida com a cabeça enterrada em algum buraco interno ou externo, qual uma réplica malfeita de avestruz. A dura verdade é que esse mundo aqui anda carente ao extremo de humanidade. E, infelizmente, essa é uma virtude e uma habilidade que não se adquire apenas em universidades, sejam elas prestigiadas ou de qualidade duvidosa. Aprendemos lições de humanidade por meio de atitudes que exigem intimidade, cuja força ultrapassa em quilômetros o cauteloso aperto de mãos.

Estamos desenvolvendo uma espécie de criminalização do contato. Parece que vivemos imersos em bolhas muito eficientes para nos proteger do contato. É uma tristeza isso, mas viemos trilhando um processo de especialização na habilidade de nos blindar contra a possibilidade de falhar, de querer investir em algo que não traga lucro financeiro, de empenharmos nosso tempo em ocupações que gerem oportunidades de inclusão. Queremos desesperadamente adquirir, a qualquer custo, uma idiota etiqueta de “exclusividade”! Que diabo é isso? Em sua crueza simplista, o dicionário explica – “exclusivo”: adjetivo masculino; que exclui, que elimina, que tem poder para excluir.

É isso que andamos perseguindo? E se é… Aonde essa pretensa aspiração há de nos levar? De repente, me ocorre que são escolhas infinitamente equivocadas essas que temos feito. De repente, me arrisco a tentar lembrar qual foi a última vez que dediquei a mim mesma alguma atenção afetiva. E, antes que alguém se levante com ares indignados para bradar que esse texto tem, afinal de contas, a premissa de aconselhar o egoísmo, esclareço. Dedicar atenção afetiva a si mesmo não quer dizer comprar mais um par de sapatos para a já gorda coleção em curso; nem tirar um dia inteiro para sessões de massagem ou coisa que o valha; tampouco tem a ver com presentear-se com uma viagem dos sonhos paga em doze vezes no cartão de crédito. Nada disso!

Dedicar atenção afetiva a si mesmo é assumir o risco de olhar-se, sem a casca de adequação social que lutamos tanto para adquirir. O afeto que podemos e precisamos nos ofertar é aquela capacidade perdida, de entender que joelhos ralados não duram para sempre; que ter medo é um direito humano, absolutamente necessário; que, caso venhamos a falhar, temos o dever de procurar aprender com a falha. Por tudo isso, digo “Tem dias que a gente precisa se carregar no colo”, para irmos curando aos poucos as dores de viver. E, assim, ao reaprendermos a nos amar, apesar de nossa imperfeição, nos tornamos aptos a abrir os braços ao outro que, na mesma medida cresceu acreditando que precisar de colo é sinônimo de incompetência. Incompetência é não ser capaz de oferecê-lo!

Ana Macarini

"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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