Júlia Domingues

Se estou sozinha é porque ainda não desisti do amor.

Imagem de capa: SAQUIZETA, Shutterstock

Caricato, não é? Quando vemos alguém que teima em não se fazer acompanhar de braço dado pelo marido ou pelo namorado, ou que não tenha uma carrada de filhos agarrados às suas saias, achamos que há, ali, qualquer coisa não bate certo. Que não está bem. Que não pode estar bem.

Aos quarenta anos já muitos de nós estamos a pensar seriamente no divórcio. Afinal, aquele sonho de ter casado aos vinte e tal anos, com uma lua-de-mel em Punta Cana ou na Riviera Maya, acabou por se tornar num pesadelo. Aos quarenta pomos os pratos na balança e, o que acaba por pesar mais, são os defeitos do outro e não as virtudes. Acabamos por guardar todas as fotografias do casamento e da lua-de-mel – de sonho – dentro duma caixa de papelão e deixamo-las lá, esquecidas. A ganhar pó. Tal e tal como queremos fazer com essa parte da nossa vida – esquecê-la.

Aos quarenta anos achamos que temos o direito de ser livres e não estamos para aturar os caprichos do amor. Se amar é isto, então que se lixe o amor. Talvez por isso vejamos tanta gente que opta por ficar sozinha. Aluga um apartamento mais pequeno, adota um cão ou um gato – que vai ocupar o lugar da cama que, agora, ficou vazio – e começa a achar que um bom serão é chegar a casa, descaçar os sapatos e ficar, ali, no sofá a segurar um bom copo de vinho enquanto se esvazia do ruido em que a sua vida foi durante os últimos anos. Muitas delas começam a acreditar que não foram feitas para amar – ou, pelo menos, que não foram feitas para amar como os outros estipularam. E, ali, ficam. Sozinhas. Porque desistiram do amor. Ou talvez porque se começaram finalmente a amar.

Depois há aqueles que irão sempre tentar. Que não são formatados para estarem sozinhos por muito tempo. Por muitos desgostos que o amor lhes dê encontrarão sempre na próxima pessoa a pessoa certa. Aquela é que é. Têm a certeza. Amam assolapadamente como se fosse o primeiro amor da vida delas. Agarram-se àquele – último – amor, como quem se agarra a uma botija de oxigénio no meio de uma grande crise de asma. Respiram amor. Respiram tanto que acabam, muitas vezes, por se sufocarem no próprio ar. E depois? Bem, depois resta-lhes sofrer, desumanamente, até lhes aparecer outra vez a pessoa certa. Agora, aquela é que é. Têm a certeza. E volta tudo ao inicio. Mais uma vez.

Mas ainda restam os que não estão com ninguém. Os que não andam propriamente à procura de ninguém, mas que [ainda] creem que é o amor que os move. E esses? Em que categoria se enquadram? Tem dias que nem eu própria sei.

Sei que estou sozinha porque ainda acredito no amor. Talvez se achasse que o amor tinha prazo; talvez se achasse que há uma idade própria para amar, para ser feliz então, neste momento, talvez estivesse sentada no sofá do meu apartamento novo a provar um bom vinho que trouxera, hoje, do supermercado enquanto tinha a certeza que assim, sozinha, é que estava bem.

Mas não. Estou só porque acredito que o amor ainda me vai invadir a pele. Porque tenho a certeza de que a pele ainda tem capacidade para se arrepiar com um «Boa-noite» e porque continuo a achar que depois do corpo ainda resta a alma.

É por isso que estou só. Porque acredito no amor. Porque não me chega menos que tudo. Porque não me chega menos que isto. Porque não me chega menos que amor.

Ainda não desisti do amor. Ainda lhe dou o pódio na minha vida. Ainda é ele que tem o primeiro lugar. O lugar de destaque. A primazia. E só devemos dar o primeiro lugar – seja em que circunstância for – a quem for merecedor de ganhar. Quem for o melhor. Quem se destacar.

Por isso [ainda] estou só. Porque respeito o amor. Porque não lhe quero dar um lugar qualquer na minha vida. Quero-lhe dar o lugar que ele merece. O primeiro. O melhor. O único. E só o poderei fazer se lhe continuar a dar a importância que ele merece. Se não o banalizar – como, tantas vezes, insistimos em fazê-lo. E fazemo-lo quando aceitamos tudo. Quando achamos que tudo nos serve. Quando achamos que qualquer coisa nos serve. Mas não. Nem tudo nos serve. Não temos de aceitar tudo.

Caricato, não é? Se estou sozinha é porque ainda não desisti do amor. E porque [ainda] acredito que há pelo menos uma pessoa neste mundo que, também sozinha, pensa exatamente da mesma forma.

Júlia Domingues

Júlia Domingues. 39 anos. Jurista de formação, criativa por paixão. Sou feita de gargalhada estridente talvez porque acredite que, estridente deva ser a nossa existência. Não para os outros. Para nós. Estamos começados mas não estamos acabados. E , no fim; no regresso a nós, que consigamos, serenamente, dizer: «Ousei viver!». Sou feita de sentir e o que não me cabe no peito, transpiro-o nas palavras e no desenho. Sou mulher e sou feliz.

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