Imagem de capa: Yuri Shevtsov, Shutterstock
Não, você não precisa concordar com tudo o tempo todo só para não se indispor com seja lá quem for. Também não precisa gostar do que todo mundo gosta só para não estar só. Nada disso. Entre outras coisas, liberdade serve para isso mesmo. Para discordarmos de quem quisermos, quando desejarmos. Discordemos, pois!
Acredite. Concordar com tudo não faz de você alguém que tem “escuta”. Faz de você um capacho. Tem gente por aí tentando provar o contrário, mas você e eu ainda somos livres para ter opinião. E quem abre mão de seu direito à opinião neste mundo tem a mesma relevância de um repolho. Um repolho cortado ao meio. Um vegetal no último estágio de sua existência. Vegetando à espera da bocarra alheia ou do latão do lixo.
É raro, mas ainda que você tenha um milhão de amigos, mesmo que encontre um número imenso de pessoas pela vida, mil, dez mil, cem milhões, ainda que conte com um batalhão de afetos, admiradores, discípulos, funcionários e afins, acredite: você não precisa agradar a todos eles a toda hora. Não pode concordar com eles sempre, de qualquer jeito, e nem deve, da mesma forma, roubar-lhes a liberdade de discordar de você quando quiserem. Então, por caridade, fuja da obrigação de contentar a qualquer custo quem estiver perto.
Nunca faltarão espíritos de porco anunciando aos quatro cantos que você são sabe ouvir, “não tem escuta”, que é isso ou aquilo só porque ousou recusar o que lhe tentaram empurrar goela abaixo. Mas alto lá! Diferente do que desejam alguns, “saber escutar” é diferente de concordar com tudo o que lhe dizem. Você pode muito bem ter um bom ouvido e manter intacta a sua liberdade de acreditar ou não, concordar ou discordar. Mas é bom se preparar para a cara feia, o desafeto e a gritaria de quem não suporta ser contrariado. Que seja. Deixe estar. Limpe a sola na grama e siga em frente.
Aliás, será mesmo que “amigo” é aquele a quem não se pode desagradar jamais? Será de fato que os nossos melhores amigos são aqueles de quem nós nunca discordamos? Se lhe resta alguma esperança mínima de acreditar que sim, desista. Não vai dar. Quem acha possível encantar de qualquer jeito a Deus e ao mundo perde tempo, dinheiro, amor próprio, respeito, saúde. E há de se frustrar para sempre. Discordar é preciso de quando em vez.
Você sabe. Os impecáveis de plantão adoram pontificar sobre a verdade das coisas e a fórmula da perfeição. Estão sempre aí, feito emas pescoçudas, escondidas na moita, à espreita, esperando para disparar suas normas de conduta. São os de sempre, bradando velhas regras caquéticas copiadas de outro alguém: “ah, o amor de verdade não acaba”, “quem ama não tem medo de nada”, “leite com manga dá congestão” e outras piadas. Tudo assim, determinado por decreto. Verdades absolutas.
Montados em certezas de quatro patas, eles vêm com a profundidade de um pires e a sabedoria das capivaras disparando convicções. Olhe ao redor. Tem sempre uma moita balançando por perto. Você respira mais alto e pronto. Um monstro pavoroso lhe salta à frente e lhe cospe na cara uma certeza pegajosa. É aí que começa o trabalho pesado. Você vai ter de decidir entre concordar e discordar. Se consentir, abana a cabeça em silêncio para evitar a discussão e se junta à manada. Agora, se resolver discordar, prepare-se. Você vai assumir a forma de um bicho odioso, um ser “do contra”, um “antipático”, “metido a besta” e outros elogios.
Que seja. A escolha é sua. A vida é sua. Você é livre para concordar ou discordar de quem quiser, não precisa gostar do que todo mundo gosta e nem odiar o que todos odeiam. Vá para onde você deseja estar. Porque o lugar-comum para onde todos seguem, lá onde vivem os que concordam com tudo, anda entupido de gente chata e cruel jogando lixo no chão, falando alto em fila de cinema, maltratando empregado, socando a esposa em casa e alegando com cara de santo que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”.
Para quem está disposto a pagar o preço de divergir, dizer o que pensa e sobreviver ao ataque, a vitória é doce. É o gosto bom de discordar ou concordar quando quiser e seguir adiante, enquanto observa de longe a matilha dos gênios a postos, uniformizados, paralisados no tempo e no espaço à espera de novos alvos, como velhas chaves penduradas num prego, esquecidas pelo mundo, fiscalizando a vida que amanhece e anoitece seu dia vai, dia vem. Bem ali, logo acima do latão de lixo carcomido, onde jazem meios repolhos jogados fora.
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