Matheus de Souza

Não se mate de trabalhar — literalmente

Imagem de capa: g-stockstudio/shutterstock

Sábado, 19h30, um sujeito bem vestido e acompanhado da esposa e do filho se dirige à fila de um caixa no supermercado. O casal deve ter na faixa dos 30 anos e o menino, no máximo, uns 7 anos de idade.

O diálogo abaixo me cortou o coração.

Eu queria que o pai não trabalhasse sexta, sábado e domingo. — diz o menino, cabisbaixo.

Silêncio.

Sábado e domingo já estava bom, né? — a mãe responde ao filho.

Mais silêncio.

É o sonho. — responde o sujeito com a voz embargada.

Eu havia passado o dia em companhia da minha esposa passeando por cidades vizinhas. Estava naquele supermercado comprando suprimentos para recebermos um casal de amigos mais tarde. Algo, a meu ver, normal para um final de semana. Ou, pelo menos, deveria ser assim.

Fiz um exercício de empatia e me coloquei no lugar do sujeito. Lembrei que, quando criança, eu dizia as mesmas coisas para o meu pai. Ele foi caminhoneiro por um bom tempo e chegava a ficar mais de uma semana fora de casa. Também foi gerente do supermercado da família e tinha horários parecidos com o do cara da fila do caixa. E, assim como aquele menino, eu não entendia os motivos de ele não poder estar sempre presente.

O motivo, em ambos os casos, é simples: precisamos pagar contas. Mas, precisa ser assim? Tem sido cada vez mais comum ler notícias de empresários na faixa dos 40 anos que faleceram devido à um infarto fulminante. Estresse, má alimentação e falta de exercícios. A tríade responsável por grande parte dessas mortes precoces.

A morte por excesso de trabalho

Altos níveis de estresse podem arruinar sua saúde. Você vai armazenar mais gordura, terá dificuldades em ganhar músculos, terá menos energia, terá maior risco de ter um ataque cardíaco ou um acidente vascular cerebral e dormir não será mais suficiente para diminuir o cansaço.

No Japão há uma palavra para isso. Na verdade, eles vão além: é um diagnóstico. O karoshi é a tradução literal para morte por excesso de trabalho. Refere-se à morte súbita de um empregado, geralmente a partir de um ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral devido ao estresse no trabalho.

O karoshi tornou-se diagnóstico nos anos 1980 e, desde então, o número de mortes que se enquadram nessa categoria aumentou. Além disso, o aumento de doenças graves, como a depressão, e tentativas de suicídio também tem ligação com o karoshi.

O governo japonês tem pressionado as empresas do país a mudarem. A Toyota limitou o número de horas que um funcionário pode trabalhar num mês. A Mitsubishi permite que seus colaboradores saiam até três horas mais cedo do serviço para cuidarem de crianças ou parentes idosos. E o mais interessante nisso tudo é que o Japão é o único país no mundo que contabiliza mortes relacionadas ao trabalho em uma categoria diferente.

No Brasil, temos um grande número de mortes e infartos fulminantes relacionados ao trabalho, mas pouco se fala sobre isso, já que não há um acompanhamento estatístico. Em outras palavras, os brasileiros estão, literalmente, trabalhando até a morte e ninguém está fazendo nada a respeito porque não temos números para provar isso.

Como superar o excesso de trabalho

A resposta típica e cômoda seria apontar o dedo para algum culpado. A cultura organizacional do país, o governo, o chefe ou a empresa. Mas, não adianta em nada você ter um ambiente de trabalho saudável se você não é saudável. A sua saúde é sua e de mais ninguém, portanto, você é o único responsável por ela.

Em tempos de crise é comum a cobrança excessiva de resultados por parte das empresas, porém, por vezes o excesso de trabalho deve-se ao acúmulo de tarefas inacabadas que tornam-se uma bola de neve. E aí, amigo, o negócio é com você. Se uma tarefa exige 60 segundos do tempo, não deixe-a pra depois. Execute-a. Esse é um pequeno exemplo de como pequenas mudanças de hábito podem evitar que você antecipe incêndios ao invés de apagá-los diariamente.

No início do ano eu estava sofrendo muito com o excesso de trabalho. Aí descobri que a culpa era dos meus maus hábitos. Dei um basta e mudei minha rotina, como contei aqui. Me tornei mais produtivo, mais feliz e, de quebra, o cansaço foi embora.

Ou seja, mesmo que você esteja em um ambiente de trabalho terrível, que sua empresa não tenha adotado medidas como a Toyota ou a Mitsubishi, é possível virar o jogo através de pequenas atitudes. O progresso é lento e difícil, mas saiba que você tem opções. Não pense que é o fim da linha.

Trabalhar duro vale a pena?

Todo esse papo sobre trabalhar demais e estresse pode lhe induzir ao pensamento de que o trabalho duro #HardWorkPapai não vale a pena.

Discordo.

Trabalhar duro vale cada pedaço do seu esforço. A pergunta a ser feita é: Você está trabalhando duro nas coisas certas?

“De longe, o maior prêmio que a vida oferece é a chance de trabalhar muito e se dedicar a algo que valha a pena”. (Theodore Roosevelt)

A partir da pergunta acima, outros questionamentos internos podem te ajudar nessa reflexão.

  • Você tem dado a sua saúde o mesmo foco que dá ao seu trabalho?
  • Você dá aos seus relacionamentos tanta ênfase como dá ao seus prazos no trabalho?
  • Você tem tempo para passear e viajar com seus entes queridos assim como tem para reuniões?

Ou… Você está simplesmente gastando todo o seu tempo no trabalho?

Pense nisso quando estiver estressado e, se perceber esses indícios em sua vida, mude. Mude enquanto é tempo. Ou, infelizmente, você provavelmente morrerá mais cedo. E sem ter aproveitado a vida.

Matheus de Souza

Escritor e viajante. Autor de "Nômade Digital", livro finalista do Prêmio Jabuti 2020 na categoria Economia Criativa. LinkedIn Top Voice em 2016.

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Matheus de Souza
Tags: trabalhar

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