Imagem de capa: Aliaksei Smalenski, Shutterstock
Dia de home office. Eu e o meu quarto, meu quarto e eu. Eram quase sete horas da noite e uma tela de computador me fazia companhia desde a manhã. Não havia mais cadeira, sofá e cama que desenquadrassem a minha bunda. Gosto muito quando posso trabalhar em casa, mas tem dias que a casa fica com ar de escritório também.
Moro em um condomínio grande, no primeiro andar do bloco, o que faz com que o silêncio completo nunca seja exatamente minha companhia. Tem sempre uma conversa de adolescentes que usam a área externa do local para paquerarem. Gritos e passos desenfreados de crianças que nunca sabem onde começa e termina o playground. Vizinhos que fazem da sacada a sala de estar quando precisam ligar para um call center, talvez na tentativa de que a paciência para este momento venha dos céus. E cachorros frenéticos, que demonstram com seus latidos a descoberta de que há vida, muita vida do lado de fora das paredes que os acolhem, enquanto seus donos saem para trabalhar. E nesse dia também não foi diferente, o silêncio não me fez companhia.
Ainda bem.
Entre o som abafado dos meus dedos tocando no teclado e as linhas escritas de forma atropelada a ponto de nem fazerem mais sentido, ouço uma voz vinda de fora invadir o meu espaço. Era uma voz distante, mas viva e contagiante dizendo:
– Olha mamãe, olha mamãe!
A mãe respondia sem demonstrar o mesmo ar de empolgação, provavelmente porque está acostumada a ouvir esse tom de entusiasmo do filho algumas vezes ao dia. Pela voz que ouvia atravessar as paredes do meu apartamento, o menino que pedia atenção da mãe era uma criança pequena. Naquela fase mais incrível de todas, onde o mundo ainda soa uma incrível descoberta. E tudo, absolutamente tudo é empolgante.
Ele insistia como se não acreditasse que sua mãe não estivesse vendo o mesmo que ele:
-Olha mamãe, olha a Lua!
Nessa hora quem se esqueceu de tudo e atendeu o chamado do menino, mesmo sem ter sido feito para mim, fui eu. Pulei da cadeira e fui para a janela a procura dela. A danada da lua. E, como sempre, tudo parou por alguns instantes. Ela, a lua, me retém.
Neste dia, foi meu pequeno vizinho, que nem faz ideia da minha existência que me devolveu a lua e os olhos encantados de quem está descobrindo o mundo pela primeira vez. Embora o mundo já tenha sido apresentando para mim algumas vezes.
Olhei para ela e a vi deslumbrante como de costume. Imponente, misteriosa e magnética. Olhei para ele e vi um ser pequenino de olhinhos brilhantes, vidrados e enfeitiçados pelo magnetismo dela. Fiquei sem saber quem é que me seduzia mais, a lua ou menino apaixonado por ela.
Por algum tempo ele ficou parado no mesmo lugar dividindo seu olhar entre o céu e a mãe. Dando aqueles pulinhos de criança pequena, que mal consegue tirar os pés do chão, e continuou dizendo empolgado, com uma alegria que só crianças conseguem ter de forma tão espontânea:
– Vem mamãe, precisamos mostrar a lua para o papai!
Os dois seguiram seu caminho. E o menino continuou com os olhos grudados no céu. Como se ele vigiasse a lua para que ela não ousasse fugir dele, não antes dele conseguir mostrá-la ao seu pai.
Fique tranquilo, garoto, às vezes, ela gosta de brincar de esconde- esconde, mas uma hora ela volta. Ela sempre volta. Acho que ela é meio exibicionista e precisa desses súditos olhares se prendendo por ela, por isso volta.
Fiquei olhando para ele indo embora e para ela iluminando aquela cena mais um pouco, antes de fechar a minha janela. E percebi que ainda era cedo para ele saber disso, mas silenciosamente torci para que quando ele crescesse e as coisas de gente grande o escondessem da lua e de todos os outros encantos da vida, ela, misteriosamente, também sempre viesse a encontrar um jeitinho de voltar para ele. E devolver o olhar vivo e encantado de quem um dia se apaixonou por ela.
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