Imagem de capa: eldar nurkovic, Shutterstock
O tempo tem a indiscutível missão de operar transformações em nós. Mesmo a mais teimosa das pessoas, mais dia menos dia, acaba se rendendo às areias do tempo. A passagem dos minutos; das horas; dos dias; dos anos; das vidas, vão modulando dentro de nós a nossa maneira de vermos o mundo, de nos vermos e de entender a maneira do mundo de nos ver.
Quem será que faz os ponteiros dispararem durante o tempo que dura um beijo apaixonado, um fim de tarde morno na praia, um amanhecer azul de inverno visto do topo de uma montanha, a primeira noite de amor, o primeiro colo que oferecemos ao filho recém-nascido, o último abraço de conforto que entregamos ao pai?
Quem terá o poder de fazer emperrar o relógio e impedir que os minutos escoem nas situações dolorosas a que somos submetidos; nas noites insones; nas enfermidades que roubam de nós o brilho da vida; nas experiências de perda que ninguém pode passar por nós.
O tempo que passa é mensurável, real e físico. O que fazemos dele, é tão subjetivo quanto a interpretação de um poema ou a capacidade que temos para descrever o sabor de um beijo. São as experiências vividas que determinam o quanto fomos espertos, lentos ou refratários diante das oportunidades infinitas de aprendizagem às quais somos apresentados a cada dor suportada, a cada prazer sorvido aos poucos ou apressadamente.
A sabedoria que tanto almejamos alcançar tem muito menos a ver com o tempo do que com a nossa disposição em nos entregarmos de corpo inteiro e alma desarmada. É a coragem de aceitar que é inevitável sangrar às vezes, esperar que cicatrize para só então, tentar entender o propósito de nossa passagem por esse planeta tão confuso e belo, ao mesmo tempo, que fará de nós um pouco mais humanos e menos intolerantes.
E, se tivermos alguma paciência, seremos presenteados com lições de rara beleza que nos permitirão avançar alguns passinhos para longe de nossa pretensiosa ambição de controle e poder. E, liberados da ansiedade pelo brilho das glórias, seremos aprendizes eternos. Haverá sempre alguma lição mal compreendida ou pouco aprofundada esperando que abandonemos o conforto das coisas conhecidas a fim de nos aventurarmos por caminhos mais estreitos e pouco iluminados.
A nossa vida aqui neste tempo presente não pode ser aceita simplesmente como a consequência direta de nossas ações e escolhas pregressas; seria simplificar demais acreditar em tão descomplicada explicação. Somos o que fazemos de nós a cada instante. Somos os “sins” e “nãos” que proferimos; somos a mão que estendemos ou o abraço que negamos; somos o alimento que partilhamos ou a sede que infringimos; somos a chuva mansa que acaricia ou a tempestade que arruína.
E o futuro, o que nos espera lá na frente é um mistério insondável, tão assustador quanto belo. A nossa vida no tempo que ainda virá é também a somatória de missões assumidas, desejos projetados e vaidades abandonadas. Para sermos mestres é necessário e indispensável que nos encharquemos de humildade diante daquilo que não podemos modificar. Seremos mestres quando finalmente compreendermos que saber algo ou muita coisa isoladamente, ignorando a necessidade ou contribuição do nosso irmão, é optar pela arma que mutila gerada pela mesma ideia que fez germinar a ferramenta que cura.
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