Imagem de capa: Yuriy Seleznev, Shutterstock
Você já deve ter ouvido a história do casal perfeito que se encontrou no congestionamento. Cada um em seu carro, seguiam rumos contrários quando suas janelas se emparelharam com perfeição no tráfego lento.
Um buscava uma estação no rádio, o outro caçava uma bala na bolsa, um roía as unhas e o outro pensava na vida, um fazia contas de cabeça, o outro fazia nada. Naquele instante, o universo inteiro se resumiu às duas almas paradas ali, em seu encontro. Não havia mais o resto, nem antes nem depois, hoje, amanhã, passado, futuro, não havia nada além dos dois ali e isso era tudo. Eram só ele e ela, ele e ele, ela e ela. Não importa. Fato é que se olharam e se amaram assim, sem mais, na eternidade de um segundo infinito.
Namoraram, fizeram planos, casaram, criaram filhos e viveram felizes para sempre. Até o trânsito seguir e eles nunca mais se encontrarem na vida. Pelo menos não nesta encarnação.
Penso nessa história sempre que vejo alguém pontificando sobre almas gêmeas, tampas da panela, metades da laranja e essas coisas que quase sempre só aumentam a ansiedade das almas afoitas, à espera. Porque eu tenho a impressão de que todo mundo já achou ou há de achar seu amor perfeito, mas quase ninguém se dá conta de quando ele chega. Não percebe quando ele está por perto. Talvez porque nem sempre o nosso “amor perfeito” seja exatamente assim: perfeito.
Tal como cada um de nós, bichos incompletos, aquele que nos espera também haverá de ser cheio de falhas, confuso como o sentimento amoroso que nasce sempre de nós, por nós, para nós.
Verdade é que o amor chega, sim. Chega para todos. Mas nem todo mundo percebe. Ora fica mais, ora menos. Ora parte, ora volta, começa do nada, acaba com tudo. Ora se reinventa e recomeça e dura até só Deus sabe quando. Imperfeito e inacabado em toda a sua perfeição.
Não, eu não sei bem o que estou dizendo, minha gente, não guardo certeza de nada. Mas me faz bem imaginar que no meu aqui dentro tem um jardinzinho, coisa pouca, umas mudas, duas, três ervas da gente fazer chá. E uma flor, sozinha entre as hortelãs e as cidreiras e os boldos e azedinhas, bem aqui comigo. Essa flor, pequena e bela, transpira da terra um perfume que é a calma impressão de que já encontrei por aí o amor da minha vida. E foi um bocado de vezes.
Cuido do jardinzinho inteiro, mas me demoro em minha flor. Ela me lembra quantas vezes o amor veio, ficou, partiu, voltou e o quanto revirou o melhor e o pior aqui dentro, porque é aqui dentro que o amor verdadeiro espera. Aqui ele nasce, vive, cresce, deita suas raízes com força na terra, espalha suas folhas no quintal e só então, mais tarde, floresce para fora, para o mundo. Para sempre.
Lá, em seu tempo sem hora, há de compartilhar suas cores e seu perfume com outras flores, até só Deus sabe quando. Quem sabe aconteça hoje, agora, amanhã, depois, mais tarde. Quem sabe já ou não mais nesta encarnação. Quem sabe.
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