Imagem de capa: pixabay.com
Meu pai tinha acabado de fazer 19 anos quando eu cheguei por aqui. Vinha ele de um tempo difícil: antes de mim, minha mãe havia dado à luz uma menina, minha irmãzinha, que, desgraçadamente, nasceu e viveu poucas horas. Então, quando completei o primeiro dia de vida, ele deve ter se sentido um sujeito de posse de sua benção.
Nasci no último dia do primeiro mês de 1974. Meu pai, Nivaldo de Jesus Gomes, era pouco mais que um adolescente que já trabalhava desde a infância. Pintor de ofício, dava outras cores às casas de sua cidade alaranjada, Araraquara, e tinha ares e físico de atleta. Vestindo camisetas ilustradas que ele mesmo pintava, corria maratonas no calor generoso da Morada do Sol.
A lembrança mais antiga que eu tenho dele não é bem uma cena. É um sentimento. Eu era então o filho único, muito apegado às mulheres da minha casa – mãe, bisavó, avó, duas tias – e meu pai uma noite me tirou das barras das saias delas e me levou com ele a um lugar que os araraquarenses conheciam como “a quermesse do Carmo”.
A única imagem que guardo dessa noite é a de uma porção de batatinhas sobre uma mesa de plástico. O resto é só um punhado de sensações: susto com o primeiro rojão, pavor com a sequência infinita de estouros da queima de fogos, medo de que aquilo não acabasse nunca, desespero de criança que chora. E alívio quando meu pai me botou nos ombros e fugiu comigo dali.
Ele me salvou! Minha lembrança mais antiga do meu pai é o sentimento de ter sido salvo por ele de uma guerra.
Hoje, muitos anos e tantas guerras depois, continuo fechando os olhos quando um rojão estoura. Meu filho João é assim também. Avesso a barulho, explosões, trovoada, gritaria. E eu vivo atento a cada chance que a vida me dá de acudi-lo do foguetório.
Compreendi, entre meia dúzia de outras coisas, que não há urgências profissionais, reuniões inadiáveis, compromissos da vida prática tão importantes quanto o chamado silencioso de um filho. Por mais que a crise econômica, a ameaça de desemprego, o aquecimento global, a invasão extraterrestre nos ponham medo, nada preocupa tanto quanto a febrinha de nada que visita nossos pequenos em qualquer terça-feira à noite. Não há dinheiro que pague estar perto dos nossos quando o rojão estoura. E acho no fundo que esse amor é o que nos salva.
Peço a Deus que sigamos assim. Por perto. Dispostos, atentos, esforçados, calorosos. Com ânimo para pintar a sala ou correr uma maratona. Ora mais distantes, ora mais próximos. Mas sempre por perto. E que nunca nos falte um bocado de amor e uma porção de batatinhas.
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