André J. Gomes

Respeitar o outro não é ser politicamente correto. É ter o mínimo de decência.

Imagem de capa: Tatevosian Yana/shutterstock

É, minha avó. Por aqui agora deram de confundir educação com um negócio chamado “politicamente correto”. Por extensão, como tudo que é “politicamente correto” virou coisa de gente chata, boas maneiras se tornaram mera chatice.

Aí, já viu. Ninguém quer ser visto como chato, então quase todo mundo muda de calçada quando vê pela frente uma chancezinha de ser gentil, educado, elegante, solidário e essas coisas. Melhor ser grosseirão, arrogante, mal-educado a ser considerado “politicamente correto”. Vê se pode, vozinha. As coisas por aqui estão assim.

Fogo, vovó. A senhora, que falava tanto palavrão sem ofender ninguém, bem sabe que lá em casa nunca teve frescura. Muito tempo antes dessa coisa de politicamente correto, nossa gente já era incorretíssima, imperfeita, cheia de gafes. Imprópria para os nervos mais frágeis. Mas lá em casa nunca faltou respeito, não. Nem decência nem vergonha na cara.

Tem gente aqui, minha avó, que vira e mexe enche a boca pra dizer que é “autêntico” só porque faz questão de ser antipático. A gente diz “bom dia” na sala de espera do consultório médico e ninguém responde. Ninguém! Só uma hora e outra alguém se dá o trabalho de retribuir. Mas é doido que nem a senhora, que toda semana entregava um macinho de hortelã por cima do muro à nossa vizinha que sofria de tosse comprida. Só doido, vó. Só doido.

Outro dia um sujeito cheio de pose falou na minha cara que não diz “bom dia” a desconhecido no elevador porque não é obrigado. “E responder? Você responde quando dizem bom dia a você?”, eu perguntei a ele. E ele disse “NÃO”. Eu questionei de novo: “por quê?”. E ele disse “porque eu sou autêntico e só faço o que eu quero”.

Fosse a senhora no meu lugar, minha avó, já tinha mandado o moço àquele local. Eu sei. Mas eu fui inventar de estender a conversa. Disse que ele podia aplicar sua autenticidade em alguma coisa que preste. E que quem despreza uma chance de ser gentil e acha que ser grosseiro é ser “autêntico” tem toda razão: é um autêntico boboca!

Pronto. O rapaz não olha mais na minha cara. E dois amigos já me contaram: ele anda dizendo por aí que eu serei um “velho chato e sozinho”. Eu não ligo, não. Só quem sabe disso é Deus, né, vó?

Eu até concordo com o moço que ninguém é obrigado a nada, inclusive a dizer “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite” por aí. Mas não é questão de obrigação, né? É coisa de boa vontade. Custa nada! Não custa nada fazer uma forcinha e mudar esse mundo devagar com gentileza, educação, caridade, boas maneiras. No elevador, na rua, em casa, na empresa, na escola, na sala de espera do consultório e em todo canto, ter respeito pelo outro não é ser “politicamente correto”, não. É ser correto e ponto. É fazer a coisa certa. É ter o mínimo de decência. E se a gente que é meio doido não faz disso uma obrigação, quem é que vai fazer? Quem?

Só por Deus, minha avó. Só por Deus. Por falar n’Ele, se não for incomodar, quem sabe a senhora pedindo aí mais de pertinho, pedindo assim com jeito e fé de avó, quem sabe Ele derrama um milagre lindo sobre nós aqui embaixo e aos poucos nos tornamos mais corretos, mais decentes e mais gentis uns com os outros? Quem sabe, né? Quem sabe?

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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  • E eu aqui na minha madrugada insone esbarrando em palavras que dizem o que sinto. Ser, sobretudo, gentil.
    Autenticidade não é permissão ilimitada para a grosseria. Ser grosseiro não é só ser desrespeitoso, é ser preguiçoso. É ter preguiça de ser melhor nesse mundão de meu Deus.
    Portanto, meu pai gentil e que gostava tanto do bicho gente, dê uma forcinha para a avó do André nesse pedido a Deus. Reforça com o som e o ritmo daquele teu batuque, pois algo me diz que o Criador tem um apreço especial por boa música.

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André J. Gomes

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