Imagem de capa: Lana K, Shutterstock
Quando temos um sonho, não um sonho tolo de fantasia, mas um sonho desses que têm o poder de nos levar alguns passos adiante no futuro e nos devolver ao presente, cheios de tesão pela vida e de uma pulsante iniciativa, aí podemos experimentar o sabor indecifrável de viver uma vida que seja extraordinária, uma vida que nos livre da apatia da mediocridade.
Sonhar é absolutamente fundamental para temperar a vida. Temperar a vida. Se a vida fosse um pão, por exemplo, o sonho não seria nem a farinha, nem o sal, nem a água, nem o fermento. O sonho seria aquela porção generosa de açúcar para transformar o pão de sal em pão doce; o sonho seria aquela pitada de alguma especiaria exótica, para transformar o pão do dia a dia, num pão de festa; o sonho seria aquela crostinha irresistível de parmesão ou alecrim. O sonho é o tempero da vida. Sem ele, a vida vira aquela coisa insossa, pastosa, seca, comum.
Mas, também é fato, que não há vida que se sustente só de sonhos. A vida é o presente mais caro, raro e especial que recebemos inteiro nas mãos. O que faremos dela, como a desfrutaremos, se a saborearemos a sós, a poucos ou a muitos, é nossa inquestionável e intransferível escolha.
E, a depender das escolhas que venhamos a fazer, a vida pode ser uma jornada espetacular ou uma soma de incontáveis “bate-voltas” de um lugar sem graça a inúmeros outros lugares sem significado. Nossas escolhas ficam rígidas, enferrujadas e escorregadias quando as despimos dos sonhos e a enclausuramos em arriscadas expectativas.
E, embora as escolhas sejam inerentes à aventura de viver de cada um de nós, em sua trajetória própria, cada escolha que fazemos pode mudar de forma significativa o destino de outros em suas próprias trajetórias, quer sejam outros próximos ou outros absolutamente desconhecidos. Tornamos o outro refém das nossas próprias expectativas quando o incluímos num plano nosso sem considerar o seu direito de escolha.
É como se cada um de nós, nesse imenso planeta, tivéssemos na ponta dos dedos a parte extrema de um fio, ao mesmo tempo delicado e vital. E esse fio tivesse outras milhares de pontas, na extremidade dos quais, outros de nós repousam seus dedos. Assim, é como se a cada mudança de direção, rota ou força impelida em nosso fio, todos os outros tivessem que se reacomodar, reorganizar e trocar de planos.
Mesmo sem querer, tocamos outras pessoas com o que fazemos, sentimos, deixamos de fazer ou deixamos de sentir. E essa conexão, ou desconexão, fica indisfarçavelmente clara quando incluímos o outro nos nossos planos, sonhos e projeções, sem nos darmos ao trabalho de refletir acerca da implicância dessa atitude na trajetória do outro. Parece que fazemos questão mesmo de nos esquecermos que o outro pode não querer fazer parte daquilo; de repente, o nosso sonho construído em torno de alguém pode se desfazer em pedaços porque fomos tão egoístas e simplesmente desconsideramos que o outro tem vontades, tem planos, e, sobretudo, tem seus próprios sonhos.
Que falta de jeito a nossa, em lidar com a realidade quando fazemos da nossa vida apenas um projeto de sonho. Que ingenuidade, projetar fora de nós toda a estrutura de uma obra que deveria acontecer aqui dentro, para depois ser edificada com outras mãos além das nossas; outras mãos que se juntem às nossas de livre e espontânea vontade, simplesmente porque olhou para o nosso sonho e pensou “quero fazer parte disso, esse sonho é meu também”.
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