André J. Gomes

O ódio não cria asa quando o amor manda na casa

Por favor, não negue. Aí dentro de você, em algum lugar, escondidinho ou escancarado, mora uma porção de ódio. Sejam caminhões carregados de fúria em movimento arrastado, entupindo as ruas, vazando rastros de ira e areia pelo caminho, sejam raivas penduradas feito jacas pesadas, ameaçando despencar a qualquer momento e espatifar no chão do mundo, todos nós sentimos ódio.

É ódio de alguém, de algo, de uma lembrança, ódio de um sentimento indesejado, de comportamentos irritantes, de situações ruins que se repetem, ódio do que não aceitamos, ódio de nossa incapacidade de mudar velhos hábitos, ódio de nosso medo do fracasso, ódio do que pensamos que alguém vá pensar de nós quando perdemos ou ganhamos, ódio dos outros e de nós mesmos. Ódio! Ódio! Ódio!

Odiar existe e faz parte de nós. Alguém invade a sua casa e lhe rouba tudo o que você suou para comprar. Em meio a outros sentimentos, pavor, tristeza, pesar, impotência, em alguma medida você vai sentir ódio. Negá-lo é decepar uma parte legítima de nós mesmos. É sufocar um sentimento vivo, pulsante, legítimo! E só pode nos fazer mal. Amor e ódio moram juntos. Mas quem manda na casa é você.

Você acha mesmo que Vincent Van Gogh adorava ser arrastado ao manicômio feito um animal selvagem? Acha? É claro que não! Ele odiava! Van Gogh sentia dor. A dor de sua própria doença, a dor de não compreender o que passava, a dor do ódio que machuca fundo. Ele detestava aquilo tudo. Mas então, misteriosamente, em dias de dor e de raiva ele pintava e transformava sua ira em uma beleza arrebatadora e colossal. Por isso é um dos artistas mais fascinantes da história humana e um dos homens mais incríveis que já viveram e sofreram entre nós. Em algum lugar lá dentro dele, o amor pela arte foi mais forte que o ódio e a dor.

Negar a presença do ódio em nós mesmos é engolir uma bomba acesa. Se ninguém apagar o pavio, uma hora vai explodir. É preciso tirar a bomba de lá, de algum jeito. Dá trabalho, mas é o que se deve fazer. Ignorar que sentimos ódio é uma grande e pavorosa falta de amor.

Logo, o maior inimigo do amor não é o ódio, ué. É a negação de que você odeia. Se não há o que odiar, o amor perde o emprego, a utilidade. Torna-se um amor fraquinho, raquítico, inútil. Amor bom é amor ativo, atento, vigilante. Amor em exercício contra o ódio à espreita. Amor aos outros e a nós mesmos. Amor! Amor! Amor!

O ódio existe, sim. Mas ele não suporta a presença do amor. Onde vive um amor potente, seguro, cultivado com ternuras e bondades, o ódio acende e logo apaga. Perde a força. Sai de perto.

O sujeito toma uma fechada violenta no trânsito e percebe a atitude maldosa do motorista do outro carro. Está armada a cena. Se aquele que tomou a fechada tiver mais ódio que amor, ele vai descer do carro e chamar a atenção do outro. O outro, já tomado de fúria, vai partir para a briga. E só Deus sabe o que vai acontecer depois. Agora, se no coração do homem que levou a fechada o amor for maior do que o ódio, ele vai gritar um palavrão na hora, porque ninguém é de ferro, e vai deixar o provocador irascível seguir adiante. Vai respirar fundo e deixar pra lá.

Dentro de nós tem amor e tem ódio sempre. Eles moram juntos. Mas é você quem escolhe quem manda na casa. Não adianta varrer poeira para debaixo do tapete. A gente tem de limpar o chão, esfregar a craca, lavar a sujeira e tirar o lixo para fora. Está aí um maravilhoso exercício de amor. E não há ódio que resista a gente que ama com força. Não há ódio que crie asa quando o amor é quem manda na casa!

Nota: A imagem de capa é da artista plástica sorocabana Daiane Oliveira, conhecida no meio artístico como Dah Fiore.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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André J. Gomes
Tags: ódio

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