André J. Gomes

Ninguém é feliz o tempo todo. E você não precisa ficar triste por isso.

Imagem de capa: Irina Kozorog, Shutterstock

Demora, mas vem. Depois do encontro, da festa, do êxtase, das delícias em fila, dos sentimentos em fartura, da esperança vigorosa, da promessa de felicidade, do amor em seus indícios, da saudade e seus inícios, depois de tudo isso ela vem. Uma fria e descabida tristeza sempre vem.

No fim de tanta alegria perfeita dá as caras uma dura, cruel e implacável sensação de desalento. Depois das emoções superlativas vem um quase nada, um vazio dolorido, uma luz amarela, abatida, luzindo acanhada pela fresta da porta, como quem espia um estranho, o quarto do homem sozinho que tropeçou em seu amor ensolarado e morre de medo do escuro.

É que o amor quando vem assim, em avalanche, desabando alegrias dormidas, acordando tanto sonho deixado, desacostuma a gente de sofrer. Aí essa vida tão, mas tão sofrida insiste, não desiste, e no meio de tanta ternura vem um tropeço, um acidente, um desvio involuntário. E toda a nossa imperfeição despenca das madeiras escuras do teto branco e nos machuca os olhos abertos que miram a vida. A felicidade farta de caixa d´água cheia até a boca se enche de folhas tristes, mortas. Um pesar de torneira muda se instala e nos faz infelizes.

Mas ali, bem lá no fundo de nossa noite inicial, na alegria mansa da lembrança do primeiro encontro, repousa cheia de saúde a nossa ventura. Porque a felicidade, ah… a felicidade há mesmo de ser temperada com tristeza e saudade e angústia. A leveza há de vir depois do pesar. E quem há de se saber feliz sem ter caminhado na desdita?

Fortalecer o amor é tarefa que se cumpre olhando a amargura de perto. Os problemas e as crises, as dúvidas e as inseguranças, o lamento e a dor, essas coisas têm de acontecer para lavar de verdade os olhos de cada amante. Tudo muito perfeito não existe. Não é humano. Não é, não.

Quando a perfeição é muita, os amantes desconfiam. É preciso um olhar de repulsa, uma mão que recusa o toque da outra, uma autossabotagem aqui, um ouvido mouco ali, uma explosão de raiva acolá. E uma dúvida, uma dolorosa insegurança abrindo as asas negras sobre o solo bom e verde das paixões em sua manhã. Sim, é preciso tudo isso para consolidar o amor.

De vez em quando me acontece de ser triste. Vai ser assim para sempre. É da vida. Depois passa. A angústia e a tristeza visitarão nossa alegria de quando em vez, como velhos vizinhos indesejados cobiçando nossa louça e nossa mobília e nossos afetos. Então seremos como dois soldados em guerra contra o que nos ameace, protegendo as costas um do outro.

Seguiremos assim até voltarmos a ser nada senão você e eu em nosso ontem, nosso hoje e nosso depois de amanhã. Perdidos em nosso caminho certo, seguindo honestos nosso rumo escolhido, cuidando de nós, tratando dos nossos. Vivendo o amor em sua longa e linda e eterna imperfeição.

Acontece. Essa coisa de não ter felicidade o tempo todo se passa com todo mundo. Vira e mexe passa por aqui, entre nós. E quando nos faz tristes, nos mostra o quanto podemos ser muito, mas muito mais felizes.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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