Imagem de capa: Fabrizio Misson, Shutterstock
Sabe, eu ando sentindo amor de novo. É fogo. Mas eu dei de ter ternuras, frio na barriga, fazer planos, decorar letra de música, sonhar grandezas. Eu ando sentindo amor de novo!
Assim, sem mais, pulo da cama querendo construir uma casinha na árvore onde meu filho vai brincar com o irmão que eu hei de lhe dar no Natal. Tenho ímpetos de bater palmas de porta em porta, contar aos desconhecidos que o amor foi dar lá em casa. Comprar uma câmera, fotografar os besouros, caramujos, tatus-bola e joaninhas que derem as caras por aqui.
Ando sentindo amor de novo. E isso é tão bonito que eu nem acho que é comigo. Careço distribuí-lo por aí. Penso nas minhas avós avisando que tudo o que a gente ganha a gente tem de dividir.
Quero arrumar a casa, ajeitar a vida, construir uma biblioteca, batizar o filho de um amigo num domingo de manhã, ter planta na sala, comprar um abajur. Ajudar uma amiga que arrecada livros no fim do ano para as crianças de um orfanato. Eu quero, ah, eu quero tanto chorar de rir com meu irmão lembrando as trapalhadas do nosso pai. Quero, imagine você, ser amigo da Angela Rô-Rô que me lembra poderosa “que a vida é bela, só nos resta viver”.
Sou nada além de um pobre homem antigo que ainda chama calendário de “folhinha”, comercial de TV de “reclame”, guaraná de “refresco”, jaqueta de “abrigo”. Mas sinto aqui dentro um amor tão amigo, grandioso, maior que a minha árvore genealógica e seus avós imigrantes, trisavós vendedores de doces, tataravós escravos alforriados e suas florestas de histórias. É que eu ando sentindo amor de novo, sabe?
É amor que dá vontade de trabalhar mais, amor que vem vestindo esperança, que renova a fé na vida e nos faz seguir adiante até o lugar dentro da gente onde os nascem os sonhos, entre samambaias e espadas de São Jorge.
Assim, de novo, eu me sinto tão rapaz, tão capaz de tudo! Posso abrir a janela agora e gritar para as cigarras e os vizinhos: eu ando sentindo amor de novo!
E meu pequeno gesto será capaz de soprar um cisco de ternura no olho direito de um assassino que, com o dedo no gatilho, a arma apontada para a vítima, se pega a sentir vergonha daquilo que se tornou. Então desiste do crime, joga o revólver para longe e sai correndo se entregar à polícia, arrependido, disposto a pagar por todos os seus crimes.
Minha declaração de amor descarada há de fazer o policial despreparado que torce o braço da estudante, em um protesto contra o fechamento de uma escola, se dar conta do quanto está enganado e cair no choro de joelhos, pedindo desculpas à moça, a Deus e ao mundo.
Vai, sim. Sentir amor vai nos salvar de tanto ódio, tanta guerra, tanta dor. É urgente, minha gente. Nada é mais urgente que deixar o amor viver na gente. Imperioso sentir na carne esse amor que entra e se esparrama no caminho feito cachorro que retorna do passeio, bagunça quase tudo e desarruma o resto. O amor que é um incêndio se espalhando em mato seco quando a gente o assopra e alimenta.
Eu ando sentindo amor de novo. Amor que faz viver. Viver que é imprescindível, que é pra já e é pra sempre. É tempo. Chega de ódio, chega de dor. É tempo de deixar o amor viver na gente. Não repare o mau jeito, meu povo. É que eu ando sentindo amor de novo.
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