Thiago Hanney

A geração que compartilha o título sem conhecer o conteúdo

Imagem de capa: ponsulak, Shutterstock

A cultura do julgamento precipitado nos acompanha desde a Antiguidade através de algumas narrativas. Vivemos cercados por pessoas prontas para atirar pedras. Em Maria Madalena. Geni. Na Fabiane de Jesus.

A velocidade da transmissão de notícias na internet potencializou o julgamento precipitado de uma forma avassaladora. Acompanhamos a construção de muros invisíveis através da implantação de notícias falsas na nossa realidade atual. As redes sociais se tornaram espaços mais visíveis do poder de notícias disfarçadas. Estamos vivendo uma época em que muitas pessoas não se comprometem mais com a leitura do conteúdo. Julgam apenas com base no título. O cotidiano acelerado se tornou desculpa para não checar a fonte.

Um exemplo disso é que nos últimos dias muitas pessoas compartilharam uma notícia de que um deputado da Bahia criou um Projeto de Lei que estabelece uma cota de 15% dos concursos públicos para homossexuais. De repente determinadas pessoas foram contagiadas por um debate raso. Desgaste que poderia ser evitado através da verificação da autenticidade da informação. Basta uma consulta simples no Google pra saber que o projeto de lei não existe. Quando alguém busca o nome Marquinhos Freire não encontra nenhuma referência no site da Câmara dos Deputados, porque simplesmente não existe nenhum deputado com esse nome.

O site que se encarregou de espalhar essa notícia foi o site “Folha Brasil”, que publica inúmeras notícias falsas. Quando muitas pessoas veem o título, acreditam ser uma notícia do tradicional Jornal FOLHA de São Paulo. A tática funciona porque visa atingir pessoas desavisadas que tendem a julgar de acordo com o título. E aí o que vemos nas redes é o “Joga pedra na Geni. Ela é boa de apanhar, ela é boa de cuspir”.

Nessa mesma linha vemos notícias como o caso da divulgação da foto de menina que aparece ao lado de um fuzil. A imagem circulou pelas redes sociais sob a alegação de ser a Maria Eduarda, vítima de uma bala perdida em uma escola do Rio. A publicação tinha o intuito de transformar a vítima em vilã. A foto não correspondia à menina (e ainda que fosse não deveria existir justificativa para a morte de uma criança). Esse fato expõe a ferida. Estamos vivendo uma época de retroalimentação de violências covardes.

É com base nesse cenário que precisamos questionar: “Qual o interesse velado da divulgação das notícias falsas?” A metáfora do “Ensaio sobre a cegueira” de Saramago traduz algumas respostas para inquietações atuais:

“Por que foi que cegamos?
Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão.
Queres que te diga o que penso?
Penso que não cegamos.
Penso que estamos cegos,
Cegos que veem,
Cegos que, vendo, não veem.”

Cegas, as pessoas mataram Fabiane de Jesus na cidade de Guarujá. Convencidas de que ela seria a sequestradora de crianças cuja foto circulava por uma página do Facebook, algumas pessoas amarraram os pulsos da mulher, que foi agredida repetidamente até a chegada da polícia. Fabiane foi assassinada. Deixou um marido e duas filhas, uma de um ano e outra de doze anos. Uma família que sente a perda devido a irresponsabilidade de muitas pessoas que contribuíram para o desfecho trágico. O caso de linchamento da Fabiane nos faz refletir sobre as consequências devastadoras de um compartilhamento de uma notícia na internet sem a verificação da autenticidade.

Notícias falsas são gatilhos para o discurso de intolerância. Devemos compreender que o tempo é sagrado demais para debater matérias falsas. Recebeu uma notícia e ficou em dúvida sobre a autenticidade? Verifique no Google. Existem sites que você pode acessar para esclarecer alguma notícia falsa. Consulte antes de atirar pedras de forma precipitada. Vamos assumir um compromisso com a verdade e com a cultura de paz nas redes sociais.

Thiago Hanney

Escritor, Professor e Storyteller. Compartilho histórias guardadas nas gavetas do meu armário.

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