Júlia Domingues

Em busca de um grande amor: o próprio

Imagem de capa: Aba, Shutterstock

«E viveram felizes para sempre!» Habituámo-nos a ouvir esta frase quase desde que nascemos. Foram muitas histórias a saírem diretamente do papel para o nosso imaginário. Foram muitos príncipes e muitas princesas a viverem felizes para sempre. Fomos felizes com eles e fomos felizes por eles. E, de tanto os vermos felizes, passámos a querer ser assim. Como eles. Felizes para sempre. Não me lembro de uma única história em quem esta expressão se destinasse apenas a uma pessoa.

Para termos direito a ser felizes, devemo-nos fazer acompanhar de um grande amor. Não é preciso vir em forma de sapo ou em cima de um cavalo branco. Até pode vir a pé, mas tem de vir. Porque só assim estaremos perante o verdadeiro conceito de «felizes para sempre» — dizem eles. Assumimos isto como uma das maiores missões da nossa vida. Como uma demanda. Formatamo-nos para encontrar alguém. E, quando finalmente encontramos, tentamos por em prática – sabe deus, por vezes, a que preço – o para sempre. Quantos para sempre já tivemos? — Desta vez é que é para sempre. – Dizemos, cheios de certezas. Só que nem sempre.

Hoje em dia, vejo pessoas sozinhas que não estão sós, e vejo, cada vez mais, pessoas acompanhadas a sentirem-se completamente sozinhas. A nossa vida tende a ser cíclica. Atraímos, por norma, o mesmo tipo de pessoas e atraímo-nos por outras tantas parecidas. É por isso que conseguimos traçar o perfil da nossa pessoa ideal. Aquela a quem não conseguimos resistir. A que melhor se encaixa com o nosso feitio. Aquela que desconfiamos que é a que vai ficar connosco para sempre. E, quando isso não acontece, tratamos de curar depressa os (des)amores porque cremos que, afinal, ainda está por vir quem irá acordar, todos os dias, a nosso lado.

Temos pressa em amar. Temos urgência em encontrar quem, para nós, está reservado. Foi nisso que nos fizeram acreditar. Que, por esse mundo fora, está alguém destinado a nós. Está alguém que também anda à nossa procura e que também ainda não nos encontrou. E passamos metade da vida em busca não sabemos bem de quem. Tentamos, e tentamos e tentamos ainda uma última vez.

E, nestas tentativas em erro, vamo-nos apercebendo de que a única coisa em que continuamos a ter urgência é a cometer os mesmíssimos erros. Com o mesmo tipo de pessoas. Aquelas que jurámos que iam ficar connosco para sempre. As mesmas que não ficaram. E, de tantas vezes errares, aos poucos, começas a relativizar tudo. Começas a deixar para trás tudo aquilo que tiveste como certo até então e começas e deixar cair alguns ideais que juraste serem para sempre. Percebes que não tens de aceitar tudo e começas a entender que nem tudo te serve.

As pessoas que achavas serem as ideais? São as mesmas que deixas de querer na tua vida. Já não te servem para sempre. Os grandes amores? Não foram assim tão grandes ao ponto de serem os maiores, senão ainda, hoje, era amor. E, aos poucos, começas a perceber que grande só mesmo o amor que devemos ter por nós. É esse mesmo amor que nos vai fazer balizar o que é importante e o que deixa de ter importância. E, aos poucos, começas a deixar de procurar nos outros aquilo que passas a encontrar em ti. Aquilo que esteve sempre em ti. À tua espera. Enquanto andavas por esse mundo fora à procura de pessoas ideais. E, aos poucos, deixas de procurar um grande amor. Substituis por um amor melhor. É esse que te vai fazer ficar. Só esse te vai fazer ficar. Porque, para grande, já tens o amor próprio – e esse, sim, quero que viva comigo feliz para sempre.

Júlia Domingues

Júlia Domingues. 39 anos. Jurista de formação, criativa por paixão. Sou feita de gargalhada estridente talvez porque acredite que, estridente deva ser a nossa existência. Não para os outros. Para nós. Estamos começados mas não estamos acabados. E , no fim; no regresso a nós, que consigamos, serenamente, dizer: «Ousei viver!». Sou feita de sentir e o que não me cabe no peito, transpiro-o nas palavras e no desenho. Sou mulher e sou feliz.

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