Imagem de capa: May_Chanikran, Shutterstock
Os tombos! Benditos tombos! Como chegar a algum lugar da vida sem joelhos esfolados; uns galos na cabeça; quem sabe uns ossos partidos e umas costurinhas aqui e ali. Não importa se “os capotes” tenham acontecido na idade das descobertas infantis; no tempo das tempestades de verão adolescente; na fase do desabrochar da vida adulta; nos anos de inúmeros desafios, revezes e conquistas da idade madura; ou ainda, e principalmente, na beleza da maturidade, tempo de reconhecer-se e descobrir novas paixões e novos talentos.
A depender de quando tenhamos ido ao chão, os ferimentos serão mais ou menos graves física ou moralmente. Nossos passos incertos de quando aprendemos a andar, são absolutamente adequados e recebem, com incrível tranquila flexibilidade, as quedas. Faz parte do processo: cair, levantar, cair, levantar… Tantas vezes quanto seja necessário para que nos habituemos a ter os pés no chão e a cabeça erguida lá em cima, com olhos tão interessados nas incontáveis novidades que o mundo tem a nos oferecer. Ninguém aprendeu a andar sem cair. É assim para todo mundo. Não há do que se envergonhar. Na verdade, olhamos com ternura para aqueles que ainda são pequenos, ou já viveram demais, e começam a se aventurar a ficar em pé sobre duas peras incertas e ansiosas.
Nosso fascínio pelo desafio nos faz ignorar o risco da queda e alçar voos bem mais audaciosos. Durante a infância colecionamos um número razoável de encontros com o chão. E com isso, vamos ficando íntimos dele; vamos aprendendo jeitos de nos proteger ou de cair com mais propriedade, se é que isso é possível. Aprendemos a nos equilibrar em duas rodas; em quatro rodinhas menores; sobre lâminas que riscam o gelo; sobre troncos, vigas ou cordas. Alguns de nós descobre uma paixão inexplicável por altura; e toma gosto por se lançar, despencar, tentar voar.
O que talvez, não nos demos conta é que esses quase sempre inocentes acidentes de percurso compõem uma espécie de treinamento para outras quedas, menos impactantes aos olhos do mundo, mas muito mais transformadoras para nós mesmos. Quem de nós terá chegado até esse momento sem experimentar aqueles tombos silenciosos e secretos, nenhuma testemunha. Os tombos morais que levamos sozinhos, sem que haja ninguém para nos socorrer ou julgar são os que mais exercem poder e força para moldar o nosso caráter e definir como e qual será a nossa relação com as situações de sucesso, fracasso ou mediocridade.
Cair sozinho é inevitável, levantar sozinho é altamente educativo. Nos confere a capacidade de aprender a chorar se doer demais; pedir e aceitar ajuda ou abrir mão dela; secar as lágrimas no tempo terapêutico; rir das tragédias inevitáveis; recolher a lição e seguir adiante. A única opção que não temos é desistir de levantar. Pode ser que umas vezes tenhamos de empreender algum esforço mais determinado, obstinado até, para nos mantermos erguidos e escapar de escorregar de volta ao chão. Mas, sejamos vítimas de um arranhão ou de uma fratura exposta, a vida segue urgente e não irá fazer parar os ponteiros do tempo, esperando que arranjemos coragem para nos reerguer. E, dentro de nós, sempre haverá um pequeno messias, uma voz de autoridade amorosa, tecida de nossas inúmeras experiências de gozo ou tristeza que fará brotar em nosso peito a inequívoca decisão de levantar e assumir a vida; porque esperar caído uma solução não é escolha, é abrir mão dela, do direito a ela.
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