Imagem de capa: Vadven, Shutterstock
Eu estava inquieto naquela manhã. Passei rápido pra dar um beijo e raspar uma colher nas panelas da minha avó. “O que você tem que tá afobado?”, perguntou ela já achando engraçado meu bate-pé, rói-unha, ajeita-relógio. Não precisei responder. Ela me chamou no quintal e colheu uma fruta do conde direto do pé. Aquela árvore tinha a mesma idade de minha avó. Ou mais. “Come!”, me entregando, “Senta e come, devagar. Essa gastura vai passar”.
Não sei porque guardei isso por tanto tempo comigo. Não sabia, até que me lembrei disso justamente hoje, enquanto minha amiga me contava do seu último namoro-relâmpago. Você já deve conhecer essa história: um cara legal surge, vocês se adoram, algo bobo acontece, vocês se detestam, fim. Tem acontecido muito. Roteiro rotineiro dos relacionamentos afobados e pré-desgastados de hoje.
Naquela manhã, anos atrás, minha avó estava tentando me mostrar que certos momentos da vida precisam ser vividos com parcimônia ou com o mínimo de sabedoria. Não dá pra engolir uma fruta do conde inteira de uma vez, dá? Por sua própria estrutura, cheia de sementes revestidas com fruta, ela praticamente te obriga a comê-la bem devagarinho. A senti-la. A saboreá-la, parte por parte.
Ela lentamente transforma a dificuldade que é contornar o que não nos agrada em serenidade. As respostas vêm com jeito, mas principalmente vêm porque a gente se abre pra elas. É aí que o empecilho vira estímulo, a irritação vira bom humor e o insolucionável vai ficando miúdo, miúdo até poder ser contornado, até que a gente possa digerir.
Tomara que a gente nunca se esqueça disso, né? Que o amor se abastece da morosidade do entorno do tempo, na delicadeza do relevar e que a gente só aprende a fazê-lo, fazendo, teimando, deixando-nos ser contorno. Enxergar que nem tudo é problema, mas apenas nosso registro único nos tornando igualmente únicos e, com sorte, imensamente doces ao final de tudo.
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