Imagem de capa: AlexMaster, Shutterstock

Meus discursos são tortos. Engoli as palavras nos últimos dias – nos últimos meses – e me vejo castigada por elas. É ruim demais trancar aquilo que quer voar lá fora. Sempre fui dessas pessoas que não trancafiavam as palavras, dando um jeito de soltá-las em papéis de carta amassados, diários cheios de segredos ou páginas em branco de um blog qualquer. Parei de fazê-lo, não me pergunte porquê. Eu repasso as palavras todos os dias, o tempo todo. Principalmente no banho. Enquanto a água lava meu corpo, as lágrimas lavam minha alma. Eu choro tudo aquilo que eu não digo. Alivia? Um pouco. Resolve? Não, honestamente, não.

Eu precisava anotar essas linhas que ensaio todos os dias. Eu precisava dar um jeito de calar o discurso que repasso todas as noites. Mandar um telegrama, um sinal de fumaça. Te escrever o roteiro, te narrar minha vida, me despir toda e fica nua – sem armaduras, bloqueios ou duplos sentidos. Te mostrar a alma, crua. As cicatrizes, as interrogações. O abismo gigante que me dá medo. Eu estou bem na beiradinha dele. O céu se agiganta sobre minha cabeça. Olho para baixo e não enxergo o fim dessa queda. Não sei se está tudo escuro demais ou se o abismo que é profundo em demasia…

Estou me encarando no espelho, tomando uma taça de vinho. Vejo na íris (castanha, verde?) um curta-metragem bonito, de uma vida inteirinha que não vivi. Meus olhos refletem um brilho saudoso. Vejo o sorriso sujo de carmim – e sorrio mais. Dou um gole de vinho e empurro de volta todas as palavras que ensaio dizer e não digo. Sabe, me declarei para você dia desses. Você não ouviu, porque estava dormindo. Eu quis te contar o tanto e o tudo, mas fiquei só naquelas palavrinhas miúdas, torcendo para que teu sono profundo não registrasse meu ímpeto. Segurei teu rosto entre as mãos e fiz uma prece. Dormi sorrindo.

A taça se esvazia, gradualmente. A cada gole dado, as palavras descem arranhando a garganta. Eu queria ter te narrado tanto da vida, ter aberto tanto o peito. Você me veria tão nua, crua e frágil. O sentimento ficaria ali, gritante, pulsando entre a gente… Eu ensaiei um discurso torto, mas cheio de verdade, de intensidade. Eu arrisquei dizê-lo. Eu arrisquei tanta coisa, mas desperdicei todas as oportunidades. E agora estou aqui, jogando umas palavras sem nexo para ver se aquieta um tanto esse tudo que quero dizer e, mais uma vez, me enrolo. Me faço e desfaço.

Mafê Probst

Engenheira, blogueira, escritora e romântica incorrigível. É geminiana, exagerada e curiosa. Sonha abraçar o mundo e se espalhar por aí. Nascida e crescida no litoral catarinense, não nega a paixão pela praia, pelo sol e frutos do mar.

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Mafê Probst

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