Imagem de capa: Alena Ozerova, Shutterstock

Esta é uma conversa sobre o tempo. O tempo é um elemento relativo. Para uns, sempre o tempo é muito; para outros, o tempo nunca é suficiente, mas, seja como for, a noção de tempo é individual. De todos os aspectos na vida, aquele em que há mais relatividade no tempo é o amor. O amor para uns exige um longo tempo contado no relógio, para outros o amor é o que é, já no instante em que nasce.

O amor pode se formar numa breve troca de olhares, quando dois estranhos cruzam de repente e despretensiosamente a vida um do outro; ou pode se construir, dia após dia, em meio a uma longa e tenra amizade. Significa que o tempo é só um instrumento frágil usado para tentar medir o valor das coisas. Observe que quando alguém dá alguma informação sobre si, em seguida vem alguma pergunta sobre o tempo: “há quanto tempo?”… Como se essa quantidade de tempo é que determinasse, de fato, a possibilidade de sucesso que as empreitadas têm.

Tentam a todo custo compelir a aceitação das pessoas a ser condicionada ao tempo que as coisas têm, em especial, seus relacionamentos. Erroneamente querem nos fazer crer que o relacionamento destinado ao sucesso é aquele que se construiu ao longo de anos e anos. No entanto, sempre que alguém atrela a pergunta do tempo à ideia de sucesso no relacionamento, me vem à mente as esposas dos psicopatas e seu inevitável choque ao descobrir a faceta oculta do companheiro com quem conviveram anos a fio, sem desconfiar de nada. Se a fórmula do sucesso de um relacionamento se baseasse em tempo, creio que não haveria mais divórcios. A verdade é que esta é só uma maneira hipócrita de tentar controlar as pessoas, inserindo-as em um modelo social aceitável.

Tantos relacionamentos forjados na base do tempo se formaram de forma errônea… Quantos relacionamentos apenas se deixaram ser? Muitas vezes escuto com tristeza alguém dizer: “Ah, casei porque já estávamos juntos há muito tempo.” Ou “Fui viver com ele porque engravidei.” São relacionamentos baseados no acidente que os fez continuar. Não fosse o acidente, talvez sequer continuassem. Outros, surgiram de uma paixão rápida e um curto namoro e rendem toda uma vida. Prova que tempo nas relações humanas é puramente relativo e incapaz de provar o seu valor.

Amizade também não se prova com o tempo. Quantas identificações de alma surgem de repente, num contato trivial e repentino? Quantas vezes acabamos nos deparando com um sentimento de confiança tão forte por alguém que acabamos de conhecer? Não há maneira mais violenta de tentar cercear a essência humana, que condicionar suas experiências afetivas ao tempo que elas duram.

Acusam as pessoas que se recuperam rapidamente de suas perdas de não terem coração; assim como condenam as que demoram muito a esquecer suas mazelas. Querem nos provar a todo custo que sofrimento possui tempo certo de ser. O tempo individual é um elemento que exige respeito. Não podemos ter a pretensão de roubar a liberdade do tempo do outro. Cada um possui seu próprio timing. Cada um conhece a hora certa de mudar de emprego; o relacionamento que decidiu adotar para si como verdadeiro; o tempo de chorar suas tristezas e rir suas alegrias; de construir a própria vida. Cada ser humano conhece as próprias necessidades que possui e como e quando deve saciá-las.

Ao invés de roubar do outro o direito a usufruir de seu próprio tempo como bem entender, melhor é ocupar-se com o desperdício de tempo. Tempo é sagrado e é tudo que, de fato, temos. Cada vez que nos ocupamos da vida do próximo de forma maldosa ou controladora, estamos jogando nosso tempo fora. Tempo se não aplicado para o bem é sempre tempo perdido.

Deixemos que o amor se forme no tempo que lhe couber, sem massacrar as escolhas do próximo. Sejamos menos carrascos do tempo e deixemos que ele se desenrole como bem entender. Afinal, o tempo é como uma trama de tecido muito bem desenhada, ao fim de tudo, as coisas se mostram perfeitamente ajustadas, de modo que, o tempo se encarregou de unir todas as pontas soltas e chegar exatamente onde deveria.

Rândyna da Cunha

Rândyna da Cunha nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1983. Graduada em Letras e Direito, trabalha como empregada pública e professora. Tem contos publicados em diversas revistas literárias brasileiras, como Philos, Avessa e Subversa. Foi selecionada no IX Concurso Literário de Presidente Prudente. Participou da antologia Folclore Nacional: Contos Regionalistas da Editora Illuminare e das coletâneas literárias Vendetta e Tratado Oculto do Horror, da Andross Editora- http://lattes.cnpq.br/7664662820933367

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