André J. Gomes

Ahh… esse nosso ofício de sentir saudade.

Imagem de capa: march.photo, Shutterstock

Eu tenho saudade, sim. Mas é saudade de tanta coisa, saudade de tanta gente que eu já nem sei dizer de quem. É saudade que não cabe na lembrança. Porque saudade não se guarda na memória mesmo. Saudade vive é no coração da gente.

E o coração quando lembra é só sentimento. Faz a gente dar de cara com saudade que nem sabe de onde vem, a quem pertence. Não se pergunta “alguém esqueceu uma lembrança aqui?”, assim, feito guarda-chuva. Saudade vem e fica ali, zanzando qual cachorro que caiu da mudança. Coração sente cada saudade estranha!

Vez em quando aperta uma saudade tão funda aqui dentro que a gente nem pensa. A gente para, sente e espera passar. Alguém pergunta as horas e a gente responde baixinho, faz gesto de silêncio, caminha na ponta do pé, vai embora quieto, se cala, se fecha, cerra as cortinas, desliga a tv, apaga as luzes da casa. Não por nada. É só silêncio de ninar saudade.

Mentira. É só a gente andando devagar pra não cair no choro.

Saudade, quando dá, carrega a gente pra longe ou até ali do lado. Não importa. Não importa porque é tudo lugar que só existe aqui dentro. E aqui dentro tem tanto lugar bonito! Tanta gente linda caminhando devagar, de tardinha, tanta manhã conversando na cama, tanta noite atravessada na alegria e na tristeza.

Na casa da minha infância não tinha geladeira. Tinha um pé de dama-da-noite, uma flor que Deus encarregou de borrifar perfume na gente. Minha mãe fazia gelatina depois do almoço e levava gelar na casa de uma vizinha generosa, Dona Carmem, mulher do Seu Antonio. Mais tarde ficava pronta, bem na hora da dama se perfumar para a noite. Até hoje, gelatina para mim tem gosto de flor. E tudo, casa, vizinha, família, noitinha, tudo tem perfume de saudade.

É tanta saudade, minha gente! Tanta saudade antiga abraçando lembranças novas. Saudades adolescentes virando jovens adultas. Saudades envelhecendo quietas, sem perceber. Tanta saudade nascendo agorinha.

Eu tenho saudade, sim. Tanta que eu já não sei de quem, não sei de onde. Não importa. Saudade não é só de onde. É de quando. Nem é só de alguém. É da gente. Saudade é sempre da gente.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

Share
Published by
André J. Gomes

Recent Posts

Só os mais atentos conseguem desvendar o 2º rosto dessa ilusão de ótica

Uma nova ilusão de ótica tem desafiado os internautas, com uma imagem que esconde um…

16 horas ago

A comédia romântica da Netflix que promete conquistar seu coração e te levar a lugares paradisíacos

A sequência do aclamado musical “Mamma Mia!” fez sucesso entre os fãs do musical e…

17 horas ago

Hemocentro de cães e gatos convive também com a falta de sangue para salvar os animais

Hemocentro de cães e gatos convive também com a falta de sangue para salvar os…

1 dia ago

Você precisa sempre deixar a casa arrumada? Saiba o que diz a psicologia sobre esse hábito

Ter uma casa impecavelmente organizada pode parecer apenas uma preferência, mas para a psicologia, esse…

2 dias ago

Esta comédia romântica da Netflix tem um charme irresistível que vai derreter seu coração

Prepare-se para uma experiência cinematográfica que mistura romance, nostalgia e os encantos de uma Nova…

2 dias ago

Esportes infantis: equipamentos e acessórios indispensáveis para seu filho brilhar

Saiba o que não pode faltar para que seu filho pratique esportes com conforto

2 dias ago