Imagem de capa: Ditty_about_summer, Shutterstock
Tem dias que ela é uma maratonista quase ultrapassando a linha de chegada. Está sedenta e eu me liquefaço para atender ao seu desejo. Então ela me toma em goles demorados…
No outro é uma leoa na selva procurando sua caça para alimentar os filhotes. Me devora, penetra minhas entranhas e eu me desmancho, me desfaço… É uma sensação estranha, gostosa e dolorida ao mesmo tempo, mas eu me reconstituo no instante seguinte só pra ser devorada novamente.
Tem dias que ela é um vento, estilo temporal, vai entrando com força em minha casa, arrancando quadros, atropelando os sentidos, me deixando zonza. No outro é apenas uma brisa calma, me dá uma sensação de paz. Pareço estar sentada à beira de uma linda praia, mar esverdeado e céu azul, e aquele ventinho delicado trazendo à tona todas as memórias que se fossem físicas poderia mordê-las e sentir o gosto doce que têm.
Difícil definir de forma única a palavra saudade. Talvez por isso não tenha uma tradução em outras línguas. Pode ser um cheiro, um gosto, um toque, uma viagem, uma paisagem, um carinho de vó, uma comida, um beijo, um sorriso, uma gargalhada. Saudade é a presença da ausência, é o que fica daquilo que já se foi ou não ficou. Ou não quis ficar.
Vou além. A pior saudade de todas é aquela que bate à porta dos sentidos lembrando toda ilusão criada, da fantasia de tantas situações que nunca aconteceram. É a ausência daquilo que sempre foi ausente. Do buraco deixado por sonhos deixados pra trás, de palavras ditas ao vento, porém jamais esquecidas, da esperança de ter ao lado aquilo que jamais foi nosso.
Vivo colecionando saudades, como se fossem figurinhas em um álbum. Minhas memórias preferidas têm lugar de destaque, são as figurinhas holográficas mais coloridas que já vi. Em um lugar não menos importante, volta e meia me pego observando as figurinhas das saudades não vividas. Saudade dos lugares que não fui, das situações que evitei, mas principalmente das situações que não dependiam só de mim e que eu tentei ao máximo para que acontecessem, mas do outro lado não quiseram. Saudade de quando havia esperança daquele amor ser meu, mas depois o coração se despedaçou e hoje cada pedacinho é uma lembrança de tudo o que vivi somente na imaginação.
A saudade pode me bater, eu apanho. Pode me bagunçar, eu me arrumo depois. Jamais vou tentar não lembrar, pois sou feita de memórias e lembranças. O importante é que sei até que ponto posso ir. Observo o álbum, tiro a poeira das lembranças mais antigas e quando já estão me incomodando, recoloco tudo cuidadosamente na mala. São tantas memórias que correspondem a mais de uma mala. Por sua vez, pesadas.
Não ligo, afinal saudade é isso: é a única bagagem que não importa o peso que tenha, jamais vai importar pagarmos a taxa do excesso.
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