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Nosso conceito de beleza

Imagem de capa: Sergey Nivens, Shutterstock

Sobre uma definição de beleza que não faz qualquer sentido

Se você é uma mulher, imagine como seria se os homens em sua volta apenas se interessassem por mulheres obesas e se para eles gordura fosse sinônimo de atratividade e beleza. E se você é um homem, imagine-se agora despertando interesse unicamente por mulheres corpulentas e achando que quanto mais volume melhor…

Difícil de imaginar? Pois é exatamente assim em alguns cantos do mundo, como, por exemplo, na Mauritânia. Lá as meninas comem muito e bebem litros e mais litros de leite de camelo, para engordar, já que uma mulher magra dificilmente acharia um homem que a aceitasse mais tarde como esposa. Sim, os homens não querem magreza, já que para eles somente uma mulher corpulenta é uma mulher bonita e acreditam, além disso, que os “quilos a mais” da mulher simbolizam riqueza e prosperidade. O que acontece na Mauritânia não é bom, pois as meninas não têm escolha. Como a meta dos pais é vê-las casadas de qualquer jeito, elas são então obrigadas a comer, a comer muito, querendo ou não. Existem verdadeiras “fazendas de engorda” para elas. Uma realidade triste, mas gostei de saber que ela existe, pois essa realidade nos mostra claramente que deveríamos refletir com urgência sobre nosso conceito de beleza.

Para mim existem dois tipos de beleza:

– A beleza autêntica, a beleza verdadeira, que vemos com os olhos, mas também com alma, é aquela beleza que nos surpreende e nos deixa boquiabertos, que nos traz leveza e paz interior, é a beleza do pôr-do-sol na praia, a beleza do sorriso de uma criança ou mesmo a beleza que vemos naqueles que realmente amamos incondicionalmente e achamos tão belos que jamais gostaríamos que fossem diferentes. É aquela beleza que nos domina, não porque nos é imposta, mas porque é maior que nós, e que nos prende por nos fascinar, deixando-nos por um instante satisfeitos, deslumbrados, felizes.

– O outro tipo é o que chamo de beleza imposta, que recebemos de nossos pais e passamos para nossos filhos, que é ensinada e aprendida, e que é definida também pela sociedade, pelo mundo em nossa volta, por nosso meio social, por convenções, por tradições, por propagandas, por capas de revista, por telenovelas, por pop stars, mas também por preconceitos e delírios, nossos e alheios.

Acho uma perversidade que meninas na Mauritânia tenham que comer tanto, com a comida sendo literalmente socada goela abaixo, para agradar aos homens e para atender um conceito de beleza artificial, imposto por tradições. Esse regime permanente de engorda provoca problemas de saúde nessas meninas/moças/mulheres, mas não tem como elas escaparem, já que uma mulher magra é feia, não acha marido e isso a família não pode aceitar de forma alguma.

Imagino o espanto de quem lê sobre essa realidade na Mauritânia pela primeira vez. Um absurdo, não? Sim, um absurdo, tão absurdo quanto o que ocorre no resto do mundo, onde a magreza exagerada tornou-se nossa beleza imposta, essa magreza patológica que definimos como bela e da qual corremos atrás do mesmo jeito como na Mauritânia se corre atrás da obesidade. No fundo, não agimos diferente. Nossas meninas não são obrigadas a engolir comida sem querer e nem a beber litros de leite de camelo por dia, mas começam cada vez mais cedo a se preocupar com dietas e torturas para limitar o peso. Também corremos atrás de um ideal de beleza ensinado e aprendido, atrás de um modelo construído e definido como belo. As top models, a suposta nata da beleza feminina mundial, foram ficando cada vez mais magras, com curvas femininas sendo substituídas por cantos ósseos, sinalizando às mulheres do planeta que uma mulher precisa ser magra para ser considerada bonita. Anorexia, bulimia, frustração e quebra da autoestima são algumas das consequências desse conceito de beleza. Sem falar dos consultórios de cirurgiões plásticos, que andam lotados de gente que quer se remodelar para caber no molde.

Também os homens são atingidos por nossa forma de definir a beleza. A mídia adora mostrar homens bem-sucedidos com uma mulher esbelta (ou várias!) do lado, normalmente branca, normalmente de cabelos lisos e compridos, definindo o que é uma mulher bonita e fazendo com que os homens assumam esse modelo, esse molde de beleza como se fosse realmente seu. E o corpo musculoso de certos ídolos masculinos enche as academias e tem incentivado o consumo de anabolizantes e outras drogas, aqui também com consequências sérias para a saúde.

Acredito que esses e outros modelos definidos pela sociedade influenciam todos nós, sem exceção. Vivemos em um mundo onde somos bombardeados todo o tempo com anúncios publicitários, na internet, na parada de ônibus, na televisão, em todos os cantos. E esses anúncios ficam nos dizendo o que é o que é belo, o que é moda e o que é bom. E não só os anúncios: os modelos são reforçados por telenovelas, artigos e mais artigos, produtos e mais produtos, receitas e mais receitas, dietas e mais dietas e até por muitas soluções “milagrosas”, que tentam nos convencer que temos que nos adaptar, ou melhor, nos espremer para cabermos no molde. É praticamente impossível ser completamente imune a tudo isso e distinguir sempre o que é realmente nosso e o que nos é imposto pelo meio à nossa volta.

A beleza imposta é um molde que define que é bonito quem cabe nele e feio quem fica de fora. É inerente ao ser humano querer fazer parte do meio social, de não fugir à regra, de ser como os outros, mais ainda: ser bonito, ser admirado, ser cobiçado por eles! E corremos atrás disso, tentando caber no molde, tentando nos sentir bonitos, muitas vezes negando a nós mesmos, gastando fortunas (com cosméticos, operações, roupas, acessórios…), sofrendo torturas (dietas, jejuns, horas no cabelereiro…) e mentindo para nós mesmos e para os outros: comendo escondido, se inscrevendo numa academia para nunca achar tempo de ir ou achando que litros de refrigerante light é saudável.

A beleza imposta não é real. Ela é uma construção, que nos faz acreditar que beleza é uma questão de definição. O exemplo da Mauritânia, com uma definição de beleza exatamente oposta à nossa, deixa claro: bastaria que nós buscássemos uma outra definição de beleza para fazer com que a magreza desaparecesse das capas de revistas. E ela desapareceria de imediato!

Não estou querendo dizer que haja alguma coisa errada em cuidar do próprio corpo, de praticar esportes, de cuidar da aparência, de cuidar de si. Pelo contrário: temos essa obrigação! Só acho que temos então que cuidar realmente bem de nós mesmos e buscar aquilo que realmente queremos. Se você gosta de maquiagem, por exemplo, então se maquie, mas faça isso porque você gosta e não porque alguém espera isso de você. E se você está insatisfeito(a) com seu peso e quer emagrecer, porque você não se sente bem e não porque alguma “magrela” ou algum “magrelo” desfilou na semana passada na televisão, faça isso! Tudo é válido quando vem realmente de dentro, quando é autêntico, quando é verdadeiro, quando é porque é e não só para caber em algum molde.

Penso também que deveríamos nos libertar de nossa fixação no peso e desvinculá-lo de nosso conceito de beleza. Alguém ser magro ou gordo nada tem a ver com ele ser belo ou não. Certos “pesos ideais” divulgados por aí são para mim uma perversidade, pois frustram aqueles que, devido à estrutura de seu corpo e às suas predisposições, jamais os alcançarão. Se todo ser humano é singular, seu peso é igualmente singular. O peso certo para mim não tem que ser certo também para você. É claro que excesso de peso (ou a falta dele!) pode ser nocivo à saúde e devemos cuidar para não cairmos nem em um extremo, nem no outro, mas devemos abordar isso sem histeria e compreendendo que o peso certo de uma pessoa é o peso com o qual ela se sente bem.

Ao invés de investir tempo, dinheiro e energia para tentar caber no molde da beleza imposta, poderíamos usar esses recursos para nos proporcionar mais tempo, sim, tempo para parar mais vezes e buscar o contato com nós mesmos, de sentir o que verdadeiramente queremos e de buscar isso. Por que não usar menos o próprio dinheiro para roupas caras, sapatos, cosméticos e artefatos e usá-lo mais para viajar, para ir finalmente àquela praia linda de nossos sonhos, para a natureza, para onde sempre desejamos ir? Ao invés de gastar tanto tempo com dietas, academias, salões, lojas de departamento e shoppings ou lojas virtuais, procurando a última moda e tentando encontrar algo que nos empurre ainda mais para o molde imposto, por que não tomar mais tempo para reencontrar a nós mesmos, para termos a tranquilidade que precisamos para voltar a enxergar a beleza verdadeira? Creio que o que pode nos proteger da beleza imposta é compreender que ela é uma construção imaginária, que define hoje que o belo é magro, mas pode definir amanhã que o magro é feio, fazendo com que o que vale hoje não valha mais amanhã. Devemosexercitar a percepção da beleza autêntica, entendendo que ela não muda com definições, não deixa de ser bela para ser feia porque alguém mudou a ideia, o conceito, a definição de beleza – o pôr-do-sol que é bonito hoje já era bonito ontem e será bonito também amanhã! A beleza autêntica não pode ser definida, ensinada e aprendida, muito menos imposta, mas sim percebida e sentida. A beleza verdadeira pode se encontrar em todos e em tudo, se escondendo muitas vezes nas pequenas coisas e também dentro de cada um de nós.

Sim, deveríamos refletir urgentemente sobre nosso conceito de beleza. Talvez percebamos então que estamos correndo atrás de uma beleza que não é autêntica, que não é verdadeira, que não é real. E talvez percebamos também que isso não faz muito sentido e mais ainda: que, no fundo, somos todos belos, assim como somos, cada um de seu jeito.

Gustl Rosenkranz

Blogueiro brasileiro residente em Berlim.

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Gustl Rosenkranz

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