Há silêncios que constrangem. Outros não fazem nem refresco.

Imagem de capa: Kokulina, Shutterstock

Silêncio no elevador, constrange.

Você está descendo nesse veículo de utilidade indiscutível e, de repente, o elevador para no 12 andar e entra o seu vizinho, que você conhece, mas não muito. E entre o 12 e o Térreo fica estabelecido um silêncio constrangedor. Parece uma viagem incômoda e comprida. Instintivamente você se encolhe contra a parede, olha para o chão que, naquela hora te falta, e descobre o cachorro. O cachorro te tira do constrangimento abanando o rabo, interessadíssimo na sua pessoa, bem no momento em que a porta se abre e você sai esbaforida, como bezerro liberto da estrebaria, dizendo “até mais.”

Até mais NUNCA, se for possível.

Silêncio no consultório não constrange. O médico já te examinou, já fez o diagnóstico, você já sabe que daquilo não vai morrer, e então, ele se volta para o computador, para fazer as anotações em sua ficha, e te esquece. Você fica ali, muda, enquanto ele digita calado, mas o silêncio é um conforto íntimo, uma oportunidade de xeretar, olhando em volta, e conferir porta-retratos com a imagem da esposa, dos filhos, e da última viagem que eles fizeram para Cancun.

Silêncio no consultório do dentista não constrange. Você chega, mal diz boa tarde, e já vão colocando na sua boca aberta aqueles ferros que te impedem de fecha-la. Se em boca fechada não entra mosquito, em boca aberta não sai som. Sem som não há palavras. Sem palavras há silêncios. Um silêncio que te é lícito e que você pode desfrutar de olhos fechados.

Silêncio na fila do banco não constrange. Barulho de conversas alheias, também não.

Todo mundo paradinho na fila, trocando o peso nas duas pernas, olhando fixamente para a frente e para o painel, de quando em quando apenas o barulhinho da campainha chamando o próximo, o próximo, o outro próximo, quando de repente, a dona Maria avista o seu Joaquim, e de longe começam a trocar notícias.

Seu ouvido ouve, ele foi feito para ouvir, mas nem o silêncio anterior e nem o barulho te constrangem. Em fila de banco, no silêncio a gente aproveita para pensar, e no barulho, a gente aproveita, para fazer laboratório e aprender sobre o ser muito humano.

Silêncio no decorrer de uma visita, que te visita e não tem o que falar, constrange.

A pessoa é querida, é amável, é prestativa, é atenciosa, mas nem é tão sua amiga, e vem te visitar, e não tem nada para falar. Não preparou o script. Não ensaiou coisa nenhuma. Você que está em casa, desprevenida, fica esperando que ela tenha o que dizer, já que se deu ao trabalho de vir, mas ela não diz.

-“Eu só vim para te ver”, ela diz quando chega. E você não sabia que era para levar a declaração ao pé da letra. Ela só veio te ver. Não veio para conversar.

Esse silêncio constrange. Constrange porque vc não está preparada para tanta plenitude e se obriga a inventar um assunto qualquer para escapar do silêncio entre duas pessoas que não têm nenhuma intimidade, sentadas no mesmo sofá. Da sua casa. Como se fosse uma viagem de ônibus, ou de avião.

Aliás, silêncio no ônibus ou no avião, mesmo que seja entre duas pessoas sentadas lado a lado não constrange. Fala quem quer, dá prosseguimento quem gosta.

Silêncio entre amigas, também não constrange.

Se essa amiga que vem te visitar, for muito, muito amiga, o silêncio não constrange. Vocês podem tranquilamente dividir o silêncio, ou ligar a TV e assistir um programa onde só o apresentador fala, desde que, de vez em quando vocês possam sorrir, ou gargalhar, ou até chorar. Se a intimidade for muita, podem até dormir.

O silêncio entre amigos, muito amigos, é conexão. É raro, mas acontece e quando acontece é muito bom.

Silêncios virtuais constrangem ou não.

Você está no maior papo em tempo real com uma pessoa. De repente, silêncio. Nem tchau, nem dá licença, nem preciso ir. Nesse caso, contrange. A gente rola a conversa para cima, pensando: será que falei alguma coisa errada?

Mas se o papo for entre duas pessoas cuja amizade seja à prova de web, alguém que você já conhece, convive, e confia, dá para pensar: foi atender à porta, as crianças chegaram, o wifi caiu, depois falamos mais. A confiança te isenta de projeções ruins.

Silêncio entre namorados lógico que não constrange.

Namorados não dependem de sons, eles falam com as mãos, com os olhos, com o toque, com a língua, com a boca, com o cheiro. E não raro, no meio de uma longa conversa, o silêncio pode ser introduzido com essa frase poética:

– Amor, cala a boca e me beija…

Ai você obedece e beija. Nesse caso, não… não constrange.

Ana Maria Ribas Bernardelli

Estudante de humanas-idades, cidadã do céu e da terra, escritora por compulsão, leitora de letras, de pontos, de reticências, e de linhas, interventora de paisagens, solitária por opção, gregária por necessidade, gosto de músicas, filmes em que só as pessoas acontecem, documentários, biografias, e todas as obras de Clarice Lispector e de Watchman Nee. Vivo a espiritualidade, sem religião. Não tenho afinidades com rituais e com scripts que se repetem. Amo a liberdade, os animais, as plantas, os velhos, as crianças, e todos os seres que se sentem estranhos no ninho. Fujo de superficialidaes, e não tolero nenhum tipo de injustiça, crueldade, ou tirania. Adoro a Deus e a ele quero servir. Escrevo para organizar a vida, para aguentar o tranco, e em cada texto meu, você me encontrará. Espero que eu também lhe encontre no meu email, no meu site, e nos meus endereços nas redes sociais. Feliz por estar com vocês!

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Ana Maria Ribas Bernardelli

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