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Quero-te, mas não na minha cama.

Imagem de capa: Kuznetsov_Dmitry, Shutterstock

És uma perdição! Daquelas que alimentam o ego. Que funcionam sem grandes preocupações. Tu queres. Eu quero. Somos adultos. Vamos fazer acontecer.

Em tempos de relações instantâneas, quase que nos é vedado sentir! É tudo demasiado mecanizado e parece que trazem acoplados um manual de instruções: «Usar em caso de Emergência.» Relações vazias de conteúdo, ocas de sentimentos e parcas em palavras. Dá menos trabalho assim. Sorris. Seduzes. Despes-te. Sacias-te. Vestes-te. Foi bom? Até à próxima.

As pessoas perderam a inocência. Deixaram voar as borboletas que habitavam o seu estômago. As pernas deixaram de tremer quando aquela pessoa se aproxima. Já não fechamos os olhos quando nos dão um beijo.

Claro que te quero! És uma perdição. Das boas. Daquelas que estão à distância de uma mensagem escrita ou de um convite pelo Whatsup. Queres? Quero. E por umas horas seremos quem quisermos.

Despimo-nos de preconceitos. Não tenho de ser perfeita e tu não precisas de ser muito inteligente. Umas horas de prazer intenso prolongado por um vazio de alma. Claro que é bom. Alimenta o ego. Satisfaz os nossos mais profundos instintos primários. A carne.

O problema, aqui, é precisamente o que nos distingue dos demais animais que habitam o planeta. Dizem os entendidos que nós, os humanos, somos racionais. E a mim parece-me que é essa racionalidade que me atraiçoa.

Claro que te quero. És uma perdição. Quero-te… Mas não na minha cama. Quero-te num sítio qualquer. Por aí. Mas não na minha cama.

Na minha cama, quero uma história. Não um episódio. Na minha cama, deita-se quem eu reconheço o cheiro, o toque, quem me devolve as borboletas do meu estômago, quem me rouba um beijo que me fará fechar os olhos.

Na minha cama, quero recordar dias, não horas. Na minha cama, quero viver amores, chorar desamores.

Na minha cama, quero perder a inocência por saber que não vieste com manual de instruções e por isso mesmo saberei que ambos erraremos e que aprenderemos com isso.

Na minha cama, estará alguém que acredito que vai durar para sempre, mesmo que dure apenas até ao próximo mês.

Na minha cama, ficará alguém que não queira ir embora na manhã seguinte.

A minha cama é muito mais do que um estrado e um colchão. É a porta de entrada para uma vida, para aquilo a que chamam cumplicidade, intimidade e partilha.

Até lá? Claro que te quero. És uma perdição. Quero-te por aí, num sítio qualquer. Qualquer sítio é perfeito para umas horas descomprometidas de alguém que se quer mutuamente. Ali. Sem muitas complicações.

Mas, depois, volto sozinha para a minha cama. Onde retorno ao mundo dos sonhos e onde guardo o teu lugar… vazio. Estará à espera de ser ocupado e posso garantir-te que ninguém estará lá quando chegares.

Porque, até lá, claro que te quero… mas não na minha cama!

Júlia Domingues

Júlia Domingues. 39 anos. Jurista de formação, criativa por paixão. Sou feita de gargalhada estridente talvez porque acredite que, estridente deva ser a nossa existência. Não para os outros. Para nós. Estamos começados mas não estamos acabados. E , no fim; no regresso a nós, que consigamos, serenamente, dizer: «Ousei viver!». Sou feita de sentir e o que não me cabe no peito, transpiro-o nas palavras e no desenho. Sou mulher e sou feliz.

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  • Texto perfeito. Vou plastificar para entregar para todo homem de quem me deixo aproximar e quando digo que moro sozinha já se convida a me acompanhar além dos portões, e na negativa me olha com espanto, me diz que nos dias de hoje isso é bobagem. E que eu devo ter sido traumatizada. Fico feliz, pois a partir dai tenho a certeza de que esta pessoa nunca me entenderia mesmo, e nunca mereceria um travesseiro meu.
    Grata Julia pela clareza no texto e por nos representar tão bem! Parabéns!!

  • Te quero sim, na minha cama e em nenhum outro lugar.. ali onde as nossa cumplicidade se dará e nos tornara pra sempre namorados... antes do beijo, antes da intimidade, antes do sexo... mas depois do respeito, depois do amor, depois do sim diante de Deus e dos homens, até que a morte nos separe...

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Júlia Domingues

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