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Passou o ano sozinha, mas não estava só

Imagem de capa: Dima Zel, Shutterstock

Passou o ano sozinha, mas não estava só. Arriscaria até dizer que desde há muito tempo que não se sentia tão acompanhada. Teve dezenas de convites. Cheios de glamour — como sempre acontecera. Todos desejavam a sua presença. O sorriso dela enche uma sala. Onde ela está nunca nos sentimos sós. Tem um sorriso que conserva desde menina. Um dos seus maiores e melhores desafios é torná-lo cada vez mais brilhante, mais sincero e mais puro. Nunca o deixou esquecido num dia menos bom. E se ela teve dias menos bons! Alguns diriam que a vida lhe fora madrasta. Ela insiste em chamar-lhe fada madrinha. Quem a conhece jura a pés juntos que é uma força da natureza. Quem ela deixa que a conheçam sabe que é a mais bela flor, que (re)nasce no meio do deserto árido. Este ano, resolveu passar o ano sozinha. Uma das primeiras reações – aquelas que tomamos de um impulso só –, quando soubemos da sua decisão, foi pegarmos no carro e corrermos para junto dela. Há dias que não são feitos para passarmos sozinhos. Há dias em que nos devemos fazer acompanhar de mais ou menos pessoas, mas nunca sozinhos. Mas depressa percebemos – porque há pessoas com as quais basta trocar meia dúzia de palavras – que ela estava tudo menos só. Nem todos teremos a capacidade de perceber a solidão. Muitos irão conhecê-la, mas poucos a apreciarão, verdadeiramente.

Numa primeira análise, a solidão é um sentimento que deveria ser proibido. Ninguém devia estar só. Estamos sós porque não temos amigos, estamos sós porque perdemos a família, ficamos sós porque nos vamos afastando das pessoas e, pior ainda, ficamos sós porque nos vamos afastando de nós. Esta é a solidão que fere. Que mata por dentro. Que nos rasga a carne e que nos corrói a alma. No entanto, contrariando isto tudo, nos últimos meses, tenho vindo a aprender que estar sozinha nem sempre significa que estamos sós. E, no último dia do ano, pude anuir isso. Ela passou o ano sozinha. Mas não estava só. Estava com ela. Queria estar com ela. Não que não lhe agradasse estar a festejar em cada convite que recebeu e que, delicadamente, foi declinando. Não. Não era o facto de não querer estar com os outros. Era o facto de querer estar com ela. Para os outros ela faz questão de estar presente o ano todo. Festeja cada convite que a vida lhe faz para ser feliz. Tem uma vida repleta de pessoas – das suas pessoas, como ela lhes chama – e aproveita-as, cada segundo, que está presente. Faz questão disso. Mas, cada vez mais, gosta de regressar a si. De não se reger pelo que está convencionado, mas por aquilo a que é fiel. Não sorrir em vão. E, assim, aquele último dia do ano foi dela. Foi só dela. E os dela – as suas pessoas – não se sentiram, minimamente, culpados por tê-la deixado sozinha. E tenho a certeza de que festejaram com ela. Por ela. Porque ela estava sozinha, mas não estava só. E, agora, são mais de trezentos dias de comemorações. Porque é isso que ela faz. Faz de todos os dias um excelente motivo para brindar. A ela. À vida. Ao seu sorriso – que conserva desde menina. Por isso, o ano começa mesmo quando quisermos e este já me ensinou uma grande lição – que talvez venha a ser uma das maiores. O maior desafio é aquele em que te escolhes a ti. Não por não quereres estar com os outros, mas por te chegar estares contigo. Talvez para o ano passe o ano sozinha. Mas não se preocupem. Não vou estar só.

Júlia Domingues

Júlia Domingues. 39 anos. Jurista de formação, criativa por paixão. Sou feita de gargalhada estridente talvez porque acredite que, estridente deva ser a nossa existência. Não para os outros. Para nós. Estamos começados mas não estamos acabados. E , no fim; no regresso a nós, que consigamos, serenamente, dizer: «Ousei viver!». Sou feita de sentir e o que não me cabe no peito, transpiro-o nas palavras e no desenho. Sou mulher e sou feliz.

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