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O tempo do armário

Imagem de capa: Tithi Luadthong, Shutterstock

“Deixa eu te fazer uma pergunta: aquele teu amigo é gay?”

Talvez você já tenha passado pela inquietação de não saber o que responder, porque nunca conversou diretamente com o seu amigo sobre o assunto.

Eis que sua mente começa a fazer um questionamento mais profundo: “Já temos tanto tempo de amizade. Por que será que ele não tem coragem de se abrir comigo? Será que não confia em mim?”

Um olhar sensível é capaz de traduzir os sintomas que permeiam uma relação de amizade que enfrenta esse conflito. Conversas que nunca se aprofundam. Afastamento gradativo. O resultado é a criação de um mundo paralelo dentro do armário e o sofrimento para quem quer ajudar, mas não sabe por onde começar.

Assumir a homossexualidade ainda é um processo complexo para muitas pessoas. Recordo agora de uma experiência que vivi na adolescência: Era manhã de quarta do ensino médio. Uma colega me acompanhou na saída da escola: “É verdade que você é gay?” Senti um nó na garganta por não ter intimidade com aquela menina para falar sobre algo que eu ainda não tinha processado dentro de mim.

Descobri que a curiosidade dela fez parte da reunião de um grupo das meninas da sala. De repente, me vi acuado por olhares delas em busca de um posicionamento. Guardo na memória a sensação amarga de negar uma resposta que eu ainda não me sentia preparado para dar.

Dez anos depois, revivi a sensação de sair do armário. Eu e Renan temos 10 anos de amizade. Entretanto, nunca me senti preparado para conversar com ele sobre minha orientação sexual. Em um determinado dia, após muito tempo sem contato, eu dormi na casa dele para colocar a conversa em dia:

“Amigo, eu sei que você foi criado em uma cultura totalmente diferente. Por isso preferi me preservar e evitei falar com você sobre isso. Sei que a partir de agora corro risco de você se afastar de mim, mas, não aguento mais nadar sozinho dentro do mar das minhas angústias. Eu sou gay.”

Um silêncio se fez na escuridão do quarto. Escutei sua voz rouca:

“- Se levante dessa cama agora.”

Senti um frio na espinha, recordei a agressão que um dia eu sofri na infância.

“- Eu já sentia desde o início da nossa amizade que você era diferente. Já me perguntaram. Mas, nunca afirmei nada. Durante um tempo, pensei em te questionar. Resolvi silenciar e esperar o momento em que você iria se sentir confortável para dividir isso comigo. Você é meu amigo de fé, meu irmão camarada. Eu amo você do jeito que você é. Só vou te pedir uma coisa: Quero que a partir de hoje não existam segredos entre a gente. Serei sempre seu amigo. E digo mais: Não sei o que sou capaz de fazer se alguém falar algo sobre você. Absolutamente nada mudará entre nós. Você continuará dormindo na minha cama e sendo recebido com todo amor que puder existir na vida dentro da minha casa.”

No escuro daquele quarto a televisão foi testemunha de um longo abraço apertado. Lágrimas escorreram no meu rosto diante da sensação libertadora de poder ser quem eu sou. Dentro daquele abraço eu compreendi o quanto o silêncio de
um amigo pode ser generoso conosco.

Um bom amigo sente, mas, tem discernimento suficiente para respeitar o tempo da gente. Algumas pessoas me perguntam como podem ajudar um amigo a sair do armário. Eu sempre falo que o importante é esperar o momento certo, com a sabedoria de quem permanece de braços abertos para acolher o outro do jeito que ele é.

Thiago Hanney

Escritor, Professor e Storyteller. Compartilho histórias guardadas nas gavetas do meu armário.

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