Imagem de capa: Jacob Lund, Shutterstock
Pode ter sido a brisa morna da tarde; ou a corrente fina de suor a traçar um desenho carinhoso na linha perfeita de sua nuca; ou ainda, quem sabe, a languidez provocada pelas carícias da areia fina por entre os dedos de seus delicados pés.
O fato real, aqui descrito, mais pela impossibilidade de ser recolhido do que pelo desejo de vê-lo revelado, é que ela era toda descuido e elegância ali, diante daquele amarelo esverdeado das folhas secas que o vento trazia, à moda de uma ciranda em torno de suas pernas esguias.
Mais parecia uma escultura, daquelas torneadas, com firme delicadeza, que só as mãos de um artista apaixonado são capazes de esculpir. Os olhos miúdos, de um verde esmaecido pelas incontáveis lágrimas de doces alegrias ou ácidas tristezas, piscavam diante do tempo.
O tempo. Esse parceiro decidido e apressado, que segue seu curso a passos resolutos e desinteressados de nós. O tempo não se envolve em nossas imprudentes aventuras; apenas observa. O tempo é pano de fundo dinâmico e independente, que zomba de nossa infantil ilusão acerca da eternidade.
A eternidade parece ínfima naqueles momentos de glorioso amor: o roçar dos lábios no primeiro beijo, os olhos que se cerram no momento do prazer, o calor das bochechas de um filho recém-nascido, que tocam o seio; o curvar dos sorrisos à toa, que enchem a vida de cores que nem existem de fato.
Essa mesma eternidade parece infinita nos momentos intermináveis de dor: a ruptura de um amor partido, a desilusão de um sonho acalentado, a fragilidade do corpo cansado e curvado pelas moléstias da vida, o adeus, a partida, o abandono.
Todas essas memórias, travestidas de lembranças ou presságios, pareciam dançarinas à sua volta. As mãos, miúdas, de pele fininha e desenhada pelas marcas das lidas, torciam-se, num gesto que tanto podia ser uma prece, quanto uma coreografia de anseios.
Ela estava ali para se despedir. Dizer um adeus desajeitado à mulher que fora um dia. Sussurrar um até breve às inúmeras personagens a quem dera alma e corpo. Murmurar boas vindas às imagens coloridas ou desbotadas, misturadas num caleidoscópio de histórias que teimavam em escapar de suas lembranças.
Ela estava ali, num ato de reverência a si, à sua história, que parecia escoar por entre seus dedos, qual água de uma fonte que não jorra mais. Por um instante, ficou atordoada. O que viera mesmo fazer ali?! Passou as mãos pelos cabelos prateados e finos; alisou a saia com gestos inseguros. Buscou na bolsinha um espelho antigo e firmou-o à sua frente. E a imagem que se projetou pareceu-lhe levemente familiar. Tão leve que voou para longe. Lembranças dançarinas, qual lagartas transmutadas em borboletas leves e de vida breve.
Texto publicado originalmente no livro “Velhice, imagem e memória” – Organização de Geni Araújo Costa – Editora Assis
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