Imagem de capa: Stone36, Shutterstock
Demorou, né? Quanto tempo! Deu trabalho. Tanto caminho torto, buraco, barranco, beco sem saída. Tanta curva, tanto engano! Quanta espera, incerteza, desalento. Quanto medo de morrer antes do nosso tempo, de partir antes do seu dia de chegar, de me perder e não encontrar você!
Cá estamos, pois. Um para o outro. Restamos vivos. Sobreviventes. Cada escorregão, tropeço, rasteira, suadouro, todo instante inseguro, cada choro solitário no fundo da noite. Tudo valeu, valeu, valeu muito. Valeu porque nos trouxe até aqui, este ponto exato no tempo e no espaço em que nos tornamos nossos. Jovens amantes de frente, começando a vida depois dos quarenta.
Toma devagarinho meu coração de pai em suas mãos de mãe. Descansa seus braços dados a tanto peso em meus ombros simples. Debruça seu corpo pequeno e forte sobre o meu. Repousa os músculos de suas pernas nos pensamentos mansos que juntei de você. Guarda seu coração junto ao meu em nosso abraço de vida inteira.
Nosso tempo enfim se avizinha. A saudade do que ainda não vivemos juntos doeu em horas infinitas, como hérnias de disco estouradas, nervos inflamados, joelhos torcidos sob bolsas de gelo, compressas de água morna e essas coisas que ajudam a tocar a vida.
Mas passou. A saudade deu lugar a esse gostinho de chá e amor no fogo, vindouro, escancarado, nascendo valente por entre os galhos novos e as flores vermelhas das paixões súbitas. Amor que cresce para o céu depois de anos arraigando sob a terra, entranhando intenções subterrâneas, fortalecendo nossa espera de sempre. Amor que arrebenta os muros erguidos ao redor de nossos pés e avança para a vida.
Entre nós há hoje um mundo inteiro. Amores, perdas, ganhos, filhos. Questões largas, medos fundos, decisões turbulentas. Mas visto na perspectiva de que a vida é assim tão curta, tudo isso se torna simples. Amanhã há de ser assustadoramente trivial.
Em algum pedacinho gramado de terra no sul do país, a vida nos espera como a moça grávida, gestando em festa nosso futuro manso, fresco, perfeito, posto que no frio nos sentimos em casa.
Desastrada, você se arranha nos galhos da goiabeira e me pede que pincele merthiolate em seus machucados. Eu aproveito e lambuzo de ternura toda a extensão do seu corpo.
E nós seguimos e crescemos, juntos como duas mangueiras, até nossas festas de cem anos, velhos amantes cansados da lei da gravidade, das contas, dos juros e outras burocracias, mas tão famintos ainda um do outro. Vivendo seu amor resistente.
Porque o amor, ahh… o amor resiste a tudo, como o matinho que nasce entre os paralelepípedos da rua antiga, as famílias que guardam os retratos de seus antepassados e preservam seus conselhos, seus valores e suas lembranças sem nome, sem cor, sem rosto. Resiste como as pessoas que ainda se importam com as outras. Como você e eu. Como a promessa de felicidade que passamos a vida inteira pagando adiantado. E que agora nos sorri deliberada em sua graça, lavando o mundo de bons e simples sentimentos de amor.
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