Categories: Rândyna da Cunha

Ei, deixe a grama do vizinho ser do verde que tiver de ser e vá cuidar da sua!

Imagem: K8PILOT, Shutterstock

Eita! Mas esta mania… Ah, essa mania que as pessoas têm de idolatrar a grama do vizinho. A pessoa tem a grama mais peroladamente esverdeada que se pode imaginar, mas um belo dia ela olha pela janela, vê a grama do vizinho e pensa: “Poxa, a minha grama não fica tão viçosa quanto aquela. A dele é muito mais bonita, é por isso que ele vive alegre e contente.” Olhando bem, aquela grama que as pessoas pensam ser mais perfeita que a delas, a maior parte do tempo, está na verdade em um patamar muito inferior, está maltratada e velha, mas a sensação de que ela é melhor insiste.

Vou explicar uma coisa sobre as pessoas. Elas podem ter o que há de melhor nesta vida: melhor carro, casa, roupas e, especialmente, amor, mas elas sempre vão dar um jeito de querer algo que não têm e que é visivelmente inferior. Isso acontece especialmente no que se trata de amor.

Poucas pessoas conseguem associar a felicidade a um estímulo interno. Joãozinho não pode ser feliz porque ele apenas é, tem que haver um motivo. Então, as pessoas veem a felicidade daquele indivíduo e começam a buscar o motivo dela, porque elas também querem a oportunidade de ser felizes. Neste momento, concentram-se na vida do outro e esquecem-se da própria. Observam que carro Joãozinho dirige, que emprego ele tem, os ambientes que frequenta e as pessoas que o cercam. Não é por maldade, eu acho… Mas inconscientemente, na ânsia desesperada de serem felizes, as pessoas decidem que o que Joãozinho tem é que traz felicidade e começam a querer aquilo para si. Ocorre que, muitas vezes, o que elas têm é muito mais que Joãozinho, mas elas não têm disposição para a felicidade interna.

É estranho, eu sei, mas algumas pessoas não sabem ser felizes de dentro para fora, permitir que o coração se encha de alegria com um pôr-do-sol sem nuvens; ou realizar-se ao ver os primeiros passos do filho; deleitar-se com um horário no cabelereiro… São coisas triviais, que preenchem nossa rotina e que podem encher nosso coração de alegria, se plenamente vividas. Não é o que Joãozinho tem que o enche de alegria, é a forma como ele se deleita com o que ele tem, é a forma como ele experimenta e se entrega a vida. Aceite: ser feliz a gente aprende.

O pior nessas pessoas é que elas vivem de arrependimento. Quem nunca ouviu a velha reclamação: eu tinha o melhor namorado/namorada, troquei por fulano/fulana e me arrependo tanto. Um dia desses, dentro do ônibus, um rapaz contava para outro sobre a “maior burrice que fez”, nas palavras dele. Ele disse que tinha a namorada mais bonita que já teve na vida, de boa família, companheira até mesmo nas piores horas, inteligente e uma moça muito esforçada. Depois de uns anos, ele achou que já não era mais feliz. Um dia conheceu uma moça no trabalho, que era muito diferente da sua namorada e começou a se sentir atraído. Movido pelo que ele achou que seria felicidade, terminou o namoro de quatro anos. Foi aí que a história me despertou atenção, afinal, eu como cronista, preciso desse olhar social e, até então, achava que seria mais uma história de traição, mas quando ele falou que terminou o namoro eu pensei: “senta que lá vem a história”. A namorada, em total desespero, passou semanas tentando reconquistá-lo, mostrar a ele o quanto a outra moça era diferente, essas coisas que as pessoas fazem quando amam muito alguém, ela correu atrás. Ele, irredutível, firmou namoro com a outra. Agora ele contava para o amigo que, após dez meses com a namorada nova, não sabia mais o que fazer, porque ela era muito diferente dele e muito diferente da anterior, que a felicidade que ele pensou que ia ter jamais chegou, que na verdade ele era sim feliz antes dela, só não tinha com o que comparar para saber disso. E foi enumerando diversos defeitos que a atual tinha e que a ex não tinha e que estavam tornando a vida deles um inferno. De repente, a ex tornou-se o modelo de perfeição e ideal. O outro, prático como qualquer homem, lascou a pergunta: “E por que você não termina e volta pra outra?”. Ao que ele baixou a cabeça e respondeu: “Bem, ela casou mês passado, com o meu melhor amigo.”. Que cara eu fiz? De alívio por não ser o amigo oficial ouvinte. É o exemplo típico da grama do vizinho, pois ele tinha tudo que precisava para ser feliz, mas decidiu que tinha coisa que ele queria mais e arrependeu-se quando viu que não existe felicidade de fora para dentro. E ainda apareceu na história um coadjuvante que também cobiçava a grama do vizinho: o melhor amigo que se casou com a ex.

Penso que cobiçar a grama do vizinho não seja maldade, seja mera falta de capacidade. Sim, falta de capacidade de lidar com algo ou alguém bom de verdade. É como se preferissem o mediano ao estupendo. O que mais vemos é gente trocando crème brûlée por gelatina; picanha por muxiba e o pior, se arrependendo depois. A pessoa tem ao seu lado aquele alguém e faz uma troca que nem ele mesmo compreende; tem um emprego X e joga tudo pro ar pelo emprego Y, que lhe faz infeliz etc. Não dá para compreender, pois a psique humana é indecifrável, mas a meu ver, o que as pessoas de fato valorizam é o movimento, as possibilidades de troca e não exatamente àquilo que possuem. Possuir faz com que a graça vá embora. E nessa forma estranha de tentar ser feliz, aquela grama murcha e seca do seu vizinho rouba a verdade de você, te fazendo crer que é melhor que a sua grama verdinha e viçosa.

O problema dessa dinâmica de vida é que um dia ela deixa de servir e você se vê vazio, contemplando pela janela a grama do vizinho, se perguntando por que ele é feliz e você não. Se você é desses que teima que algo precisa acontecer em sua vida para você ser feliz, eu lamento muito por você, pois ainda vão levar uns bons anos para você ser feliz de verdade. Ser feliz começa dentro da gente, é uma escolha que fazemos e, por isso, há tanta felicidade por aí incompreendida, como àquela pessoa que às vezes não tem o que calçar, mas possui a audácia de dizer que é feliz. Estranhamente e surpreendentemente, feliz. Felicidade tem mais relação com o que vai dentro da gente, que com o que temos carregando com a gente, afinal, mala sempre dá muito trabalho para ser carregada.

Rândyna da Cunha

Rândyna da Cunha nasceu em Brasília, Distrito Federal, em 1983. Graduada em Letras e Direito, trabalha como empregada pública e professora. Tem contos publicados em diversas revistas literárias brasileiras, como Philos, Avessa e Subversa. Foi selecionada no IX Concurso Literário de Presidente Prudente. Participou da antologia Folclore Nacional: Contos Regionalistas da Editora Illuminare e das coletâneas literárias Vendetta e Tratado Oculto do Horror, da Andross Editora- http://lattes.cnpq.br/7664662820933367

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  • Olá! estou feliz por achar seus artigos, quanta informações legais, que bom que está compartilhando, parabens.

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Rândyna da Cunha

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