Desde o dia em que você foi embora, as coisas não são mais as mesmas. Eu tiro do lugar as coisas, com um movimento pincelo a cor da parede, mudo a posição dos quadros. Eu tiro o lugar das coisas, mas elas não mudam. Essa coisa do território é algo que marca, e parece que, elas sabem disso porque me olham com aquele olhar parado de coisa, enquanto eu transfiro do lugar mais um objeto pra ver se a sua ausência fica menos pesada. Há dias, que não é o mesmo café, filtrado naquele coador de pano, com aquelas bordas espichadas. Coloco a dose certa, mas não é o mesmo gosto de quando tomava com você, olhando seus olhos através da xícara e vendo as imagens distorcidas do outro lado. Eu gosto das imagens distorcidas, da estranheza que elas causam, mas você nunca foi estranho pra mim… até aquele dia. Você sempre foi tão quieto, mas o seu silêncio nunca me incomodou… até aquele dia. Eu tento apagar aquele dia, mas eu não sei me desfazer de uma memória tão recente. Ainda tenho na minha pele o seu cheiro e o desenho dos seus lábios margeando os meus poros. Desde o dia em que você foi embora eu não sei pensar em outra coisa que não seja essa que me partiu e espalhou por todo canto. E me junto às coisas pra ver se me importo menos, pra ver se pego essa imparcialidade calada que as coisas têm, mas é só um jeito de sentir mais fundo, de tocar a superfície das coisas que você tocava, com um jeito meu, que é só mais uma forma de lembrar você. Junto as coisas pra sentir que ainda podem ser íntegras e ter alguma serventia, mas estão com uma fissura enorme do lado de dentro. E eu fico nessa de fingir que não vejo que as coisas ocas reverberam um som triste que se liquefaz no vazio da tarde, mas eu sinto tudo gritando, o que é bem pior. Penso em te ligar pra dizer que eu sinto muito, mas você deixou bem claro que foi tudo que era pra ser, como se já soubesse que o futuro omitia o nosso nome de todas as coisas.
Fotografia por Dmytro Khlystun, Shutterstock
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