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Almas viajantes

Ser viajante é dar a louca e sair, sem rumo…mas também tem aqueles que planejam tudo, tudinho. E não aguentam mais ler e pesquisar, mas fazem isso já curtindo o gostinho, já viajando antes da viagem… Mesmo sabendo que vai chegar na hora e os imprevistos vão estar lá só esperando sua paciência e astúcia.

Pois o viajante mais experiente sabe que vai ter perrengue. Que vai rolar algum stress. E lida muito bem com eles. Chora de raiva às vezes, mas já é maduro o suficiente para encarar que a mala foi perdida, o transfer não veio ou foi que logrado no troco do táxi. Não se lamenta mais tanto e é inteligente o bastante para achar as melhores saídas. E depois que tudo passa, vê isso como uma vantagem: mais histórias pra contar!

E por já terem passado pelos mais diversos percalços, já têm suas manias e truques. Desenvolvem as mais diversas técnicas ninja. Desde identificar malas, secar roupas, levar lanchinhos estratégicos e esconder dinheiro. Já sabem que bagagens leves são mais fáceis de carregar, então dane-se se você vai aparecer com a mesma camiseta em todas as fotos, o negócio é conseguir carregar a mala no metrô, afinal de contas viajantes leves conseguem ir mais longe e quanto mais longe, mais histórias.

E não nos deem corda se não estiverem dispostos a ouvir nossas aventuras. Pois temos muitas no currículo. Senta que lá vem história!
Quando foi mesmo aquela viagem? É só pegar o passaporte que a gente já lembra.

Almas viajantes tem um carinho especial por seus passaportes. Gostamos de pegar e folhear, admirando cada registro. Cada carimbo é especial, carrega uma história… É como se fosse um troféu, uma conquista, uma tatuagem na alma.
E dá um nervoso ver que o passaporte está quase vencendo e ainda restam várias folhas em branco. Um desperdício!
Afinal elas foram feitas para serem preenchidas. Sim, a meta é completar tudo. Como um álbum de figurinhas. E aqui as repetidas valem também.

Ser viajante de verdade é não quer saber de hotel não… Hotel com piscina? Pss… Que nada! O viajante mesmo quer rua. Encher a câmera de foto, visitar feirinha, andar por becos, se perder, aproveitar até o último raio de sol. Dormir às 2h e acordar as 5h, morrendo de sono e raiva e prometendo pra si mesmo que da próxima vez nada de mochilão, mas sabe que nas férias seguintes a história vai se repetir e quando você vê, está de novo nesse ciclo deliciosamente vicioso. É uma relação amor e ódio. Viajar é um vício. E que vício bom. Melhor que chocolate.

Ser viajante é enfrentar muitas escadas. Sim. Como a gente sobe e desce escadas. Mano do céu. Bom pros glúteos.
Ser viajante é enfrentar frio, calor, neve, chuva, neblina. Não tem tempo ruim.

É olhar pra aquela paisagem, que antes era só foto e pensar: “gente, eu tô aqui mesmo!”, ser profundamente grato pelo privilégio de ver tanta beleza nesse mundão e pensar que valeu cada litro de chuva no seu tênis.

É ouvir explicações enormes sobre os lugares, datas, nomes, fauna e flora e querer lembrar de tudo, mas o que você jamais vai esquecer vai ser dos lugares de tirar o fôlego, das bizarrices e situações hilárias, como aquela senhora que levou uma cusparada de uma lhama bem nos olhos ou o chinês que soltava gases animadamente no seu táxi.

É se acostumar com as distâncias. Tudo passa a ser mais perto. Tudo é “logo ali”.
É caminhar quilômetros num só dia, comer sanduíche no almoço, fazer bolha no pé, mas chegar no hotel, botar as pernas pra cima já planejando o próximo dia e ficar admirando as fotos e as bugigangas que trouxe.

Almas viajantes são insaciáveis e incansáveis. Bem, mais ou menos. A gente cansa também. E dorme em qualquer lugar. No hostel, no ônibus, no trem, no tuk tuk, no avião, no barquinho. E dorme de qualquer jeito. Escorada na mala, no amigo, no banco, já que tem pela frente 12h de espera no aeroporto.

Aliás, conhecem tudo de aeroporto. Sabem onde ficam as melhores tomadas e os banheiros mais limpos. Se sentem tão à vontade, que é como estar em casa, mas dormindo no sofá e de luz acesa.

É fazer conexões malucas e não entender como você conseguiu chegar.
É contar com a sorte e com os santos e perceber que você foi realmente abençoado pois não pegou nenhuma pereba naquele banho turco ou uma dor de barriga comendo aqueles bolinhos na Índia.
É olhar pros comissários de bordo durante uma turbulência, buscando qualquer sinal de desespero…E rezar muito pra aquela merda não cair e você jamais ter dado um último abraço nos seus amores.

É tirar mil fotos nos primeiros dias e querer compartilhar tudo com os que mais ama, pois você queria que eles sentissem pelo menos um pouquinho daquela alegria. É também ir reduzindo gradativamente os cliques até chegar no estágio de “preguiça fotográfica”, mas que eu prefiro chamar de uma “não-necessidade-total-de-câmeras”. Nesse estágio você se rende. Só a contemplação já basta, pois o melhor de tudo é simplesmente estar ali.

A gente adora ir, mas é tão bom voltar.

E a gente volta podre pra casa. Só querendo um feijãozinho, banho e a nossa cama… mas doido de vontade de fazer tudo de novo. E a gente finalmente acomoda a cabeça no nosso saudoso travesseiro, dá um longo suspiro, lembrando de tudo, agradecendo e pedindo aos céus pra que os anos tragam uma velhice generosa que nos mantenha ao menos lúcidos pra lembrar de tantas aventuras.

Estela Meyer

Admiradora da simplicidade e dos bons corações. Inquieta, curiosa e viajante. Adora boas histórias, risadas, cafuné e chimarrão. Faz piada de si mesma e ainda acredita nas pessoas. Anseia por um mundo com mais sensibilidade, roupas de capuz e pijamas com bolsos. Sua mais nova aquisição é um longboard.

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