Se tinha um negócio sério quando eu era criança era o tráfego – pra não dizer tráfico mesmo – de tupperwares. Sabe, aquelas vasilhinhas de guardar comida? Ela vinha da casa da vizinha com o cozidão da noite anterior. Depois voltava cheia de arroz doce. Arrependida, vinha a vasilhinha trazendo uns destroços do churrasco. Durava pouco e já voltava com a pamonha que vovó tinha trazido do sítio.
Se tinha um negócio sério, era o prazo de devolução. Tupperware, mesmo as mais improvisadas, tinha que voltar sem demora ou a dona ia buscar. Fosse pote de margarina, fosse a memória plástica do sorvete, fosse uma desdentada florida e sem tampa, tinha que voltar. E cheia. Questão de honra, educação, pensava eu.
– Pega, filho, leva esse feijão na Ceci – e eu me irritava de ter que parar o jogo pra dar asas a outra procissão de vasilhas. Não entendia porque raios minha mãe tinha que mandar comida pra vizinhança toda, sem ninguém ter pedido. Não era exatamente precisão. Todo mundo tinha uma vida simples, mas as vasilhinhas sempre voltavam recheadas, mesmo que já fossem fruto de uma terceira devolução.
Ia assado, voltava doce. Ia cozido, voltava fruta da estação. Ia pão, voltava, farofa. Iam e voltavam, iam e voltavam, infinitas, cúmplices e silenciosas. Demorei pra sacar, demorei pra entender que não era iogurte caseiro, coalhada recente, empadão de domingo, mas cuidado. Demorei pra sacar que não era macarronada sendo trocada por brigadeiro, nem polpa de acerola escambada por feijão tropeiro, era amor, era nobreza que minha mãe e suas amigas faziam caber naqueles potinhos. Era o melhor dos dizeres não ditos: penso sempre em você, com carinho, na doçura dos dias mais banais.
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