Vivemos a projetar a nossa felicidade em grandes feitos no tempo futuro. Quando eu tiver dinheiro suficiente para uma vida mais confortável serei feliz. Quando eu encontrar o amor perfeito da minha vida serei feliz. Quando eu tiver mais tempo disponível serei feliz. Quando eu conquistar o emprego dos sonhos serei feliz. Quando tudo estiver estabilizado eu finalmente serei feliz.
A rigor, o que estamos fazendo é de uma burrice sem tamanho, percebe? Projetamos a idealizada felicidade, segundo o roteiro de um filme desses de ficção científica. O problema desses filmes é que eles mostram terras áridas, construções monumentais em ruínas, cenários acinzentados para personagens acinzentados. O futuro é absolutamente incerto, essa é a nossa única certeza.
E não passa de utopias tolas essas condições limitantes a que nos submetemos por nossa própria conta e risco. O dinheiro nunca será o suficiente, posto que a nossa relação com os bens materiais é de total submissão: queremos sempre mais do que temos.
O amor da vida é tão subjetivo quanto uma bolha de sabão. Que vida? Em qual momento dela? Amor não é “da vida”, amor é construção de afeto. Perfeito? Como assim, perfeito?
O emprego dos sonhos só existe até a página quatro; a partir da página cinco você já estará às voltas com desafios de relacionamento entre hierarquias e achando que ninguém te dá o devido valor.
E essa história de estabilidade? Ah, fala sério… É da nossa natureza arranjar alguma coisa para se coçar, ainda que seja sarna. Basta algum setor da nossa existência ficar “estável” que a gente começa a pinicar por toda parte. Aliás, “estável” é uma palavra padrão para boletins médicos que se referem a pacientes em longos períodos de internação – “O paciente está estável.” –, desejo com todas as minhas forças, que os deuses (todos eles, antigos e novos) me defendam disso!
E toda essa expectativa em relação aos dias que estão por vir, sobre os quais não temos controle e a respeito dos quais pouco sabemos, só serve para nos colocar um peso insuportável nos ombros. Acabamos como vítimas de nossa própria eterna necessidade de adiar a felicidade, simplesmente porque não sabemos identificar as pequenas e inefáveis alegrias presentes.
Baixemos a guarda, as armas, as mãos. Paremos de nos assaltar em emboscadas, cujo único propósito é nos colocar contra uma parede que parece encolher a cada dia. Tenhamos a gentileza de nos estender a própria mão, num auto amor que já passou da hora de acontecer.
Marquemos um encontro com nosso riso fácil, nossos ombros relaxados, nossas pernas bambas do prazer dos afetos simples. Sejamos adoráveis a ponto de nos convidarmos, a nós mesmos para uma dança libertadora, sem passos demarcados, ritmos acertados, nenhuma coreografia. Corpo solto namorando a melodia.
Encontremos tempo para nos redescobrir enquanto é tempo. Enquanto ainda não nos corrompemos o suficiente para servir às coisas que nos matamos de trabalhar para conquistar. Enquanto ainda somos capazes de rir sem querer e chorar quando tiver vontade.
E que a leveza que liberta nos encontre desarmados, para que não nos reste nenhuma outra alternativa, a não ser nos entregarmos a ela. Brisa, sol de fim de tarde, noites de temperatura amena. Que seja leve tudo o que não for breve; e o que for breve que seja ainda mais leve!
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