Ela precisava de um mecânico. Mas não era um mecânico qualquer. Era de um mecânico de corações. “Eles estão cada vez mais raros, a maioria coloca peças de segunda mão, te cobram os olhos da cara, te enrolam, prometem que vai ficar bom, sendo que meses depois está tudo quebrado novamente” – era o que ela pensava sobre os mecânicos (incluindo os de corações).
Foi aí que ele apareceu. Com aquele jeito tímido, sem prometer nada, mas ao mesmo tempo tudo o que fazia era da melhor maneira. A oficina simples, que não ostentava luxos, mas que apreciava detalhes chamou a atenção dela. Ela sabia que precisaria de cuidado e das peças certas para o seu coração, sabia também que o conserto levaria tempo, mas este mecânico estava disposto a esperar.
Aquele coração dela, já calejado pelo tempo, com peças quebradas, cilindros, pistões, velas, virabrequim, nada mais funcionava como um dia já havia funcionado. Tratava-se naquele momento apenas de um músculo imprestável, cheio de dores e temores que evitava qualquer tipo de sentimento pelo sexo oposto.
Ele sem pressa foi trocando cada peça, testando, acelerando e transformando o coração enferrujado em um com motor novo, zero quilômetro. Ela já achava naquela altura da vida que teria de conserta-lo sozinha, retirar os medos e frustrações e fazer aquele órgão bater feliz de novo por alguém, só não sabia como. Nada disso foi preciso. Ele lubrificou o coração dela com o melhor óleo, colocou somente peças originais e em pouco tempo (menos do que ela esperava) o motor estava novinho em folha. E o melhor: foi tudo tão natural que ela nem se deu conta.
Ela não precisou desta vez deixar o coração na oficina, nas mãos de alguém que ela mal conhecia, para que ele sozinho consertasse e tomasse conta de algo tão importante. Não. Ela estava ali, presente, enquanto ele efetuava o conserto. Era como a mãe que segura a mão do filho durante um momento difícil, ela ficou calma e confiou no seu mecânico. Repartiu suas dores com ele. Como a assistente dele, ajudou a consertar aquele órgão que já não batia mais por ninguém.
Foi aí que ele devolveu pra ela, o coração inteiro, com arranque e aceleração. Não havia mais aquele músculo capenga que pegava aos trancos. “Gata, pode pisar fundo. Fortes emoções vêm por aí. Esse coração aguenta altas velocidades”.
Ainda bem que ela nunca deixou de acreditar que bons mecânicos existem. Ainda bem.
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