Uma das mais deliciosas e tardias descobertas dessa vida, talvez seja a de “descobrir-se”. Demoramos, às vezes, muitos anos até nos darmos conta de quem de fato é essa misteriosa pessoa que habita o nosso próprio corpo.
Imersos em experiências de convívio, vamos desempenhando incontáveis papéis, a depender de quem esteja à nossa volta, à nossa frente ou ao nosso lado. Vamos nos moldando aos outros, a fim de criar em nossa personalidade variados contornos. Somos uma pecinha curvilínea de quebra-cabeça. E cada uma de nossas curvas, pontas ou reentrâncias encontram contato nas curvas, pontas e reentrâncias de outros alguéns.
Inúmeras vezes acabamos por nos sentir como aquela pecinha que caiu da caixa e ficou perdida num canto qualquer. Perdemos o encontro com o resto da paisagem que nos completava e conferia a nós um sentido, uma utilidade, uma presença necessária.
E é nesses momentos de desencaixe que temos à nossa frente a possibilidade de parar de perseguir a caixa perdida. É essa a experiência maravilhosa que a vida nos oferece para que abandonemos esse lugar de “peça útil” para nos redescobrirmos em outras vivências.
Livres do entorno que nos submete, podemos experimentar uma vida literalmente fora da caixa. O curioso é que ficamos perdidos diante da liberdade. Aquela sensação de entrar num vagão do metrô e não ter nenhuma pessoa ali dentro. Onde sentar? Será que eu ficaria melhor ao lado da janela, de frente para o trajeto ou de costas? Diante da falta de outros que nos sirvam de referência, tendemos a um primeiro instante de desorientação.
Puxa vida, mas passados uns pouquíssimos minutos nos damos conta da sorte inesperada que tivemos. Ninguém no vagão do metrô! O vagão naquele momento é só nosso. Ninguém sentado de forma egoísta nos bancos preferenciais – sem ter nenhuma necessidade de estar sentado ali -, ninguém usando aquele perfume invasivo que dá dor de cabeça, ninguém falando ao celular “no viva voz” (ninguém merece!). Ninguém no vagão de metrô!
Assim acontece com os momentos de solitude que pontilham a nossa aventura nessa vida. A perplexidade da falta de contenção pode tirar de nós a riqueza da experiência. Esse momento, que era uma oportunidade rara de autocontemplação e autoconhecimento acaba sendo desperdiçada numa ansiedade quase automática por companhia.
Ainda há uma crença estúpida e limitante que julga aqueles, e principalmente aquelas, que sentam sozinhas numa mesa de restaurante ou no boteco da esquina para apreciar um vinho, ou uma prosaica cervejinha, ou ainda, um singelo suco de abacaxi com hortelã. Ainda há quem olhe penalizado para alguém que entra sozinho numa sala de cinema ou teatro. Ainda há, e sempre haverá uma falsa ideia de que estar a sós é sempre triste. Não é!
Estar em nossa própria companhia pode ser tão ou mais maravilhoso do que estar cercado de gente. Há beleza na solitude. Há uma escolha bonita e corajosa por trás das pessoas que viajam sozinhas por aí, por trás das pessoas que aprenderam a curtir o próprio silêncio numa tarde que se passa na companhia de lindos livros e filmes inesquecíveis, por trás das pessoas que caminham sozinhas num fim de tarde na praia. Sendo assim, não custa nada a gente, da próxima vez, aceitar a sorte do vagão vazio e mergulhar nessa instigante viagem para dentro de si.
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Lindo texto Ana! Tanta sensibilidade na tua escrita fascina.
Gratidão.